São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OLIMPÍADA

Boicote norte-americano foi adotado depois de análise da agência

Relatório detalha ação da CIA nos Jogos de Moscou

ROBERTO DIAS
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE

Os EUA viram o boicote aos Jogos Olímpicos de 1980 como uma chance de amplificar as críticas à União Soviética pela invasão ao Afeganistão, um ano antes.
A análise feita pelos EUA à época está exposta em documento da CIA, a central de inteligência norte-americana, tornado público graças à Lei de Liberdade de Informação do país, que permite a divulgação de papéis históricos.
"O boicote vai manter viva a questão do Afeganistão e forçar os soviéticos a enfrentar uma contínua chuva de críticas de setores da comunidade internacional", escreveu a CIA em seu relatório.
A posição da inteligência norte-americana foi repassada ao então presidente norte-americano, Jimmy Carter, em memorando de 9 de janeiro de 1980. Anexadas, 35 folhas compunham uma análise detalhada da competição, sob o título "URSS: Preparativos para os Jogos Olímpicos".
À época, a decisão de boicotar os Jogos, tomada por Carter, causou surpresa. Não que a ameaça de não ir a Moscou fosse nova, mas pelo fato de os EUA realmente a terem cumprido.
A invasão ao Afeganistão foi mais um capítulo da geopolítica da Guerra Fria e deu início à ocupação soviética no país, só encerrada dez anos depois, em 1989. Usando-a como argumento, os EUA lideraram um boicote em massa aos Jogos, esvaziando, com relativo sucesso, a competição -ao todo, 61 países deixaram de ir à competição em Moscou.
Internamente, o governo norte-americano achava também que não ir aos Jogos acirraria as tendências xenófobas dentro da própria União Soviética.
Ainda no panorama político, o memorando da CIA fez uma ressalva importante ao boicote: "Os soviéticos teriam condições de fazer o papel de vítima para uma parcela simpática da comunidade internacional e utilizar problemas causados pelo boicote para exacerbar as tensões entre os EUA e os países que não boicotarem (ou boicotarem relutantemente) os Jogos, incluídos aí, provavelmente, alguns aliados próximos dos norte-americanos".
Entre as ausências mais destacadas daquela Olimpíada, figuraram, além dos EUA, Alemanha Ocidental e Japão. Sem concorrência à altura, a União Soviética encabeçou o quadro de medalhas com facilidade, somando 80 ouros. O Brasil compareceu àqueles Jogos. Ganhou quatro medalhas.
O papel elaborado pela CIA tocou também nas consequências econômicas do boicote.
"Acreditamos que o prejuízo seja pequeno. As perdas ficam restritas à entrada de dinheiro proveniente do turismo e dos direitos de TV. Os soviéticos esperam entradas de capital de US$ 250 milhões. De qualquer forma, a maior parte já está em mãos".
Segundo relata a CIA, não havia muito a fazer em relação ao turismo agregado aos Jogos, já que as pessoas que desejavam ver a competição haviam tido de pagar seus pacotes até o final de 1979.
Em relação à rede NBC, transmissora dos Jogos para os EUA, a CIA não via grande impacto.
"Dos direitos de TV americanos, só US$ 5 milhões dos US$ 74 milhões ainda não foram pagos. De qualquer forma, o contrato da NBC com a União Soviética inclui uma cláusula de "força maior". Ainda assim, a NBC está coberta por um seguro de risco político com a Lloyds de Londres."
O relatório esmiuçava ainda, na ótica dos EUA, o impacto olímpico no dia-a-dia dos soviéticos.
"Os estudantes em Moscou estão sendo advertidos para ficarem distantes dos turistas olímpicos, que seriam, segundo as autoridades (locais), hostis ao modo de vida soviético", dizia. Na mesma linha: "De acordo com algumas fontes, as crianças nos colégios serão mandadas para acampamentos de verão e excursões fora da cidade, e o período escolar vai acabar um mês mais cedo".
Quatro anos depois, a história se repetiria, invertida. Cabia aos EUA, com Los Angeles, organizar os Jogos. E era a União Soviética quem acenava com o boicote. Ronald Reagan, o sucessor de Carter, e Juan Antonio Samaranch, presidente do Comitê Olímpico Internacional, foram até à TV pedir que não houvesse retaliação ao que ocorrera. Não adiantou.




Texto Anterior: Olimpíada: EUA boicotaram Jogos de 80 por orientação da CIA
Próximo Texto: Apoio ocidental era um "dilema"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.