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A primeira vez, Schumacher
Quinta-feira, 5.out.2000
A partir do momento em que
pisei no Japão, todos me perguntavam a mesma coisa. "Está nervoso?" E o pior de tudo é que... Eu
estava começando a ficar. Dentro
de mim, conseguia abstrair qualquer pensamento sobre a disputa
do título. Mas o problema é que
essas questões sempre traziam o
assunto à tona, e isso estava começando a me enervar.
Nós sabíamos que aquele poderia ser o momento decisivo, e eu
me lembro bem daquele final de
semana, quando realizei o sonho
de um título mundial com a Ferrari. Foi sem dúvida especial, toda
a temporada foi direcionada para
que ele chegasse, apesar de a equipe estar agindo como se fosse um
GP comum. Acredito que essa é a
maneira certa de agir.
Após a prova de Indianápolis,
voltei imediatamente para Mugello para dois dias de testes. Foi
cansativo, não só por causa do fuso horário, mas porque eu queria
acertar tudo o que fosse necessário. Estava absolutamente determinado a ser campeão mundial.
Os testes correram bem. A gente
inclusive estabeleceu um novo recorde em Mugello, e isso me deu
um sentimento de segurança. Naturalmente que sabia que nossas
chances eram boas: uma vantagem de oito pontos não é nada
desprezível. Mas, no entanto, teria
sido o maior erro da história assumir que já éramos campeões.
Estava claro, após o que aconteceu com o Mika em Indianápolis
[o motor do finlandês estourou],
que as coisas podem mudar rápido na F-1. Você nunca está certo
de nada. Poderia estar nas cartas
que eu deixaria o Japão dois pontos atrás dele [haveria ainda o GP
da Malásia]. Essa é a maneira
com a qual eu tenho que encarar
os problemas. É assim que sou:
antes de tudo, um pessimista.
Sexta-feira, 6.out.2000
Eu dormi tão mal... Uma ou
duas horas no máximo. Qualquer
um diria que era por causa da disputa do campeonato, mas eu acho
que não. Não era aquele sentimento de quem está com a cabeça
cheia de pensamentos e simplesmente não consegue desligar.
Acho que tinha mais a ver com o
fuso horário. De vez em quando,
tenho fases em que sofro para lidar com isso. E, quando muita
coisa fica acumulada -como a
viagem de volta de Indianápolis,
os testes na Itália e os eventos da
Ferrari-, você perde o equilíbrio
e dorme mal. Mas eu sabia que logo tudo voltaria ao normal.
No dia anterior, todos estavam
falando sobre o terremoto em Suzuka, o que era legal para mim.
Pelo menos as pessoas discutiam
outro assunto e não ficavam fazendo mais a mesma pergunta:
"Está nervoso?". Eu não tinha
muito a comentar sobre o terremoto porque não o senti de dentro do carro. Corinna [mulher do
alemão] estava andando ao lado
da pista durante o segundo treino
livre e também disse não ter percebido nada, mas deve ter sido
bem violento no paddock.
Desde o início, o carro estava
bem. Os dados tão promissores
dos testes da semana anterior estavam se confirmando. Em Mugello, nós havíamos sido muito
rápido com os novos pneus e isso
estava se repetindo em Suzuka.
Mas, honestamente, não acreditava na vantagem de seis décimos
de segundo sobre a McLaren.
Tudo corria bem. A equipe estava incrivelmente concentrada.
Era um prazer ver todos tão focados. As reuniões duravam mais
do que o normal, porque queriam
ter certeza de que não haveria erros no sábado e no domingo.
O clima era tão
denso que parecia
possível pegá-lo
com a mão. Não
havia motivo para
voltar ao hotel. Corinna e eu ficamos
na pista e jantamos
com toda a equipe.
Só saímos de lá tarde da noite.
Sábado, 7.out.2000
Outra noite sem
dormir. Mas eu estava tão concentrado que nem notei a
falta de um bom sono. Obter a pole position foi um primeiro passo, apesar de ter sido por pouco: só nove
milésimos de segundo me separaram do Mika. Mas o treino foi
bem gostoso porque Mika e eu estávamos nos pressionando um ao
outro, acelerando cada vez mais.
Naquela tarde, depois da entrevista coletiva, começaram a circular uns rumores interessantes,
principalmente entre a imprensa,
mas que também foram discutidos dentro da equipe. Ron Dennis
[chefe da rival McLaren] teria reclamado do fato de a FIA haver
escalado um comissário italiano
para a corrida. Ele estaria questionando sua neutralidade. Também
teria sugerido, em conversas com
jornalistas, que nós estávamos
usando controle de tração. Isso
poderia significar que eles estavam preparando um protesto.
Ele também parecia estar contrariado com a recomendação
que a FIA deu a todos os outros
pilotos para não interferirem na
disputa pelo título. O piloto que o
fizesse poderia ser punido. Mas
nem Mika nem eu estávamos
contando com a ajuda de outros
pilotos, especialmente de nossos
companheiros. Estava bem claro
para mim que o certo a fazer era
tentar voar no início da prova e
então fazer minha própria corrida, com a liderança na mão.
Mas os rumores tomaram conta
do paddock como se fossem labaredas. Não me preocupei. Só não
queria me distrair, e notei que todos estavam a cada momento
mais concentrados. Nós queríamos esse campeonato. Eu queria,
finalmente, esse título.
Mais uma vez, nossas reuniões
foram tão densas e longas que Corinna e eu decidimos ficar na pista
e jantar com os mecânicos e engenheiros. Já era tarde para ir a algum restaurante. E, no caso, eu
não queria mesmo estar em nenhum outro lugar do mundo.
Queria mesmo era estar ali, com a
equipe. Gosto de fazer isso nos sábados, antes das corridas.
Pela frente, uma bela noite a ser
dormida. As três noites anteriores
em Suzuka haviam sido as mais
destruidoras da minha vida. Fisicamente me sentia arrebentado,
mas sempre que eu entrava na
pista esquecia isso e não sentia absolutamente nada de errado.
Domingo, 8.out.2000
Por toda a minha vida, nunca
esquecerei o Ross Brawn pelo rádio. Estava saindo dos boxes, após
meu segundo pit stop, desesperado para saber se ficaria à frente do
Mika. Então, o Ross disse pelo rádio: "Acho que vai dar certo". Estava tenso, esperando que ele fosse dizer: "Não funcionou". Honestamente, meu coração dava
piruetas no ar. Era como se ele tivesse ficado um tempo sem bater.
Eu não esperava que aquilo fosse funcionar, após meu segundo
pit. Minhas duas voltas antes de
entrar nos boxes não foram boas.
Peguei tráfego e ainda tive que
desviar de um Benetton que rodou e saiu da pista. Perdi tempo e
nunca imaginei que ainda estaria
na liderança depois do pit. Então
veio aquela mensagem do Ross,
pelo rádio. Inacreditável! E, assim
que saí dos boxes, percebi que estava mesmo em primeiro e que, se
não cometesse erros e se não houvesse problemas com o carro, o título estava nas nossas mãos -ultrapassar é quase impossível em
Suzuka. A vitória e o título!
Mas, antes de tudo, eu tinha que
manter a concentração. Estava
garoando, e o asfalto começava a
ficar úmido. O problema é que o
asfalto havia sido recapeado para
aquele ano e, às vezes, não dava
para ver onde é que estava molhado. Por isso fui tão lento naquelas
duas últimas voltas, para me certificar de que nada de errado aconteceria. E, então, cruzei a linha de
chegada. Louco! Até então, eu não
havia sentido nada. Queria ter a
certeza de tudo, e ver aquela linha,
enfim, atrás de mim. O que aconteceu, então, é indescritível.
No resto daquele dia, as pessoas
me perguntavam como eu me
sentia e em nenhum momento
achei as palavras certas. Sinceramente, é o tipo de coisa que não
dá para descrever com palavras.
Eu estava maravilhosamente feliz. Não sabia o que fazer com tanta felicidade. De repente me vi
montado no carro, sobre meus
companheiros de Ferrari, como
se eu fosse explodir. Dei um murro tão forte no volante que depois
tiveram que levá-lo para uma revisão! Após anos de decepção, finalmente havia conseguido!
Na volta de desaceleração,
quando tudo já havia terminado,
as lágrimas começam a cair e era
como se eu estivesse fora do meu
corpo, olhando para mim mesmo, para aquela cena. Quase como se eu fosse uma outra pessoa.
Quando saí do carro, a equipe
toda estava esperando. Foi fantástico. Aqueles rostos! Olhos brilhando e todos em êxtase -poderia ter jogado meus braços para
abraçar todos e beijar todos. Tentei fazer isso e, obrigado Deus, Corinna estava lá. E então, o pódio...
Eu poderia abraçar o mundo todo
dali. Quando olhava para baixo e
via aqueles sorrisos... Como já
disse, é impossível encontrar as
palavras para momentos assim.
Todos os anos, todos celebram
o final de ano em Suzuka. E este
ano foi muito especial para a Ferrari. Mas, de vez em quando, no
meio da festa, eu desligava. Começavam a vir flashes da corrida
na minha cabeça, e eu tinha que
parar e dar um tempo...
Fomos para um karaokê. Eu
deixei que, antes de mim, todos
subissem ao palco para cantar e
dançar. Mas, em termos de consumo alcoólico, ninguém me vencia. Bebi além da conta e, quando
saímos de lá, às 5h, fiquei feliz ao
ver que a Corinna estava comigo.
Nunca tive uma ressaca tão forte
como nos dias seguintes. Do Japão, fomos para a Tailândia, e eu
levei uns dois dias para me recuperar daquela festa.
Olhando para trás, tenho que
dizer que aquela corrida foi algo
especial para mim. Não apenas
porque me deu o título, mas também porque foi uma corrida de altíssimo nível, de primeira classe.
A temporada toda foi espetacular.
Realmente foi uma corrida incrivelmente satisfatória e divertida.
Por mais de 40 voltas, Mika e eu
cravamos tempos quase idênticos, como se fosse uma eterna
volta lançada. Foi certamente
uma das melhores corridas que já
fiz, se não a melhor. Mika estava
fantástico e me empurrou para o
limite. Vencer uma prova como
aquela é algo muito especial.
Tradução de Fábio Seixas
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