São Paulo, Sábado, 20 de Novembro de 1999
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FUTEBOL

No dia dos 30 anos do milésimo gol, o jogador lembra as "criancinhas" e fala de sua "missão de Deus"

Pelé dedica sua carreira à raça negra

Reuters
Pelé ergue troféu de cristal que ganhou ao ser eleito o melhor futebolista do século, na Áustria



FÁBIO SEIXAS
enviado especial a Viena

O país fervia no dia 20 de novembro de 1969. Nas rodas de conversa, o assunto era o milésimo gol de Pelé, na noite anterior.
Carregado no gramado do Maracanã, o número 10 do Santos às costas, ele pediu proteção às "criancinhas do Brasil". Um desabafo, para os fãs, uma pieguice, para os críticos.
Exatos 30 anos após marcar o milésimo gol, Pelé mudou o discurso. Ontem, em Viena, onde à noite participaria do "World Sports Awards", a eleição dos melhores atletas do século, ele falou com exclusividade à Folha.
"Infelizmente, no Brasil, as coisas poderiam estar melhor para as crianças", disse. "O desenvolvimento tecnológico foi muito rápido nesses 30 anos. Espero que, para os próximos 30 anos, o homem aprimore seu coração, o respeito, a igualdade, com a mesma velocidade com que aprimorou as máquinas", disse, pouco antes de deixar marcadas as mãos e os pés na "calçada da fama" de um shopping de Viena, enquanto nevava.
Na entrevista abaixo, Pelé fala das premiações que vem recebendo, da situação atual do Santos e das reviravoltas judiciais do Campeonato Brasileiro-99.
Diz ainda que sua ""missão de Deus" na Terra foi aproximar os negros do esporte. ""A maior gratificação que eu tenho no coração é ter podido contribuir para aumentar o número de negros no esporte em geral."

Folha - Há exatos 30 anos você marcava o milésimo gol. Hoje, o que lhe vem à cabeça sobre aquela noite no Maracanã?
Pelé -
Seria difícil pensar, visualizar, que, 30 anos depois, eu pudesse estar aqui, em Viena, onde talvez nem se falasse no futebol profissional. Hoje, eu estou aqui mais comemorando meu milésimo gol do que essa premiação para os melhores atletas do mundo.
Todas as vezes que você é convidado para um evento como esse são importantes. Espero ser reconhecido mais uma vez, porque onde está o Pelé, está o Brasil.

Folha - Esses 30 anos que passaram foram bons para você?
Pelé -
Eu passei a minha vida dando tudo o que eu podia para o povo ficar feliz dentro do campo, para o povo ficar feliz nos jogos em que eu estava... E a maior gratificação que eu tenho no coração é ter podido contribuir para aumentar o número de negros no esporte em geral.
Quando eu comecei, em 58, a participação de negros nos esportes era muito pequena. Aí, o Brasil, com Pelé, com Didi, abriu as portas para o negro. Hoje, você vê, em todo o esporte, principalmente no futebol, seja na Suécia, na Suíça, na Inglaterra, na Alemanha, o caminho está aberto para os negros. Essa foi a grande missão que Deus me deu. Espero receber muito mais dele, para poder fazer muito mais no futuro.

Folha - Onde você espera estar daqui a 30 anos?
Pelé -
Isso aí é só Deus que sabe. Eu, como sou um homem de três corações (em alusão ao nome da cidade em que nasceu), acho que devo estar treinando o infantil, o juvenil do Santos. Ainda.

Folha - Em relação ao Santos, tem plano a curto prazo?
Pelé -
Bem, ainda continua aquela expectativa depois dessa novela do Flamengo com a ISL (empresa suíça de marketing esportivo), que demorou seis meses para resolver... O NationsBank (banco norte-americano) acertou com o Vasco. Eles iriam fazer uma proposta para o Santos. A única novidade mesmo do clube são as eleições, no mês que vem.

Folha - Você vai estar apoiando alguma chapa?
Pelé -
Não. Eu sou Santos Futebol Clube. Vou estar torcendo para o melhor para o Santos. Pode ser a continuação dessa chapa. Acho que o José Paulo Fernandes, que é o vice-presidente, deve continuar no cargo. Eu espero, seja quem for o presidente, que dê continuidade a esse trabalho nosso de quatro anos. Como todo mundo sabe, o Santos vivia muito mal, em condições péssimas. E hoje tem um time inteiro.
É o clube mais bem administrado do Brasil. As finanças não são problema. O que o Santos mais precisa, agora, é de um título internacional, nacional ou regional.

Folha - Como você vê essa proposta de parceria que chegou ao Santos por meio da Koch Tavares (empresa brasileira de marketing esportivo)?
Pelé -
Esse assunto está sendo discutido. Mas não foi por meio da Koch Tavares. Fomos nós que começamos a conversar com o grupo mexicano (Corporação Interamericana de Entretenimento). A Koch Tavares veio depois.
De qualquer maneira, nós os conhecemos, é uma empresa brasileira... Estou torcendo para que seja alguma coisa boa para o Santos. Acho que se for uma proposta boa, uma proposta que dê as condições que o Santos merece, acho que o clube deve fechar com eles.

Folha - Como você vem acompanhando todas essas disputas judiciais no Brasileiro-99?
Pelé -
É muito triste. É lamentável. Depois de tudo o que a gente falou, do que a gente comentou sobre a administração do futebol brasileiro... Eu acho que nós temos que lutar, nos unir, para que possamos mudar as estruturas, fazer uma coisa profissional. Senão, o futebol brasileiro vai continuar assim, indo de mal a pior.
Eu espero, de coração, que os próprios dirigentes entendam isso. Seria melhor para todos.


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