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FUTEBOL
Os vários times de Felipão
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Logo após o jogo contra Portugal, fiquei na dúvida se havia gostado ou não da seleção
brasileira. Houve brilhantes jogadas isoladas, mas não brilho coletivo. Galvão Bueno e Falcão elogiaram tanto o time que fiquei
confuso. Será que assisti a uma
outra partida? Parece até que o
Brasil empatou com a França ou
a Argentina. Portugal tem um
bom time, mas não está entre os
seis candidatos ao título.
De bom, ou melhor, de ótimo,
foi ver os dois excepcionais Ronaldos. Era duro ver os jogos das eliminatórias. Se os dois estiverem
em forma na Copa, entrosados, as
deficiências individuais e coletivas do Brasil poderão ser mascaradas. Foi o que ocorreu em 98,
até o jogo final. Com um Ronaldo, quase ganhamos o título. Agora, são dois para desequilibrar.
De ruim, foi ver dois times brasileiros em campo no primeiro
tempo. O da linha do meio-campo para trás, formado por sete
atletas e mais o goleiro, e o do
meio para frente, com três. A turma de trás marca, bate, arrepia, e
a da frente cria e brilha. Um lado
não se mistura com o outro. É
proibido! Paga pedágio. Somente
Roberto Carlos e, principalmente,
Cafu tentavam passar para o outro lado, mas sempre muito
apressados. Não participam da
organização das jogadas.
Gilberto Silva e Emerson, únicos jogadores de meio-campo, estão sobrecarregados. Além de
marcar, limitam-se a chegar próximos da linha do meio e tocar a
bola para Ronaldinho, o gaúcho.
Emerson, que já foi um bom
meia ofensivo no Grêmio, cada
vez mais parece um volante-volante. Ele deu uns 500 empurrões
e uns 500 chutes no tornozelo do
Figo. Funcionou. O português ficou quietinho e discreto. Eles
também bateram muito. Após o
jogo, Felipão ainda reclamou da
pouca virilidade dos brasileiros.
Ronaldinho aceitou a responsabilidade e o desafio de ser a inteligência da equipe. Mas é um só.
Além disso, não é um jogador de
meio-campo que avança. É um
atacante que recua. São funções
diferentes. Ele precisa de um companheiro, de um autêntico meia-armador, que jogue de uma intermediária à outra.
A seleção não teve apenas dois
times no primeiro tempo. No segundo, apresentou outros dois.
Um com dois zagueiros e três volantes (entrou o Kléberson), e o
outro com dois volantes, dois zagueiros e três atacantes. Tantas
mudanças são necessárias, ou isso
demonstra a competência do técnico? Nenhuma das outras seleções muda tão radicalmente o esquema tático durante a partida.
Uma característica dos times do
Felipão é essa confusão. No final
costuma dar certo. Ele não é muito bom de teoria, mas é de prática. Executa bem o que planeja,
mesmo quando está errado.
Para simplificar, bastaria o time atuar desde o início com uma
linha de quatro defensores e obrigar o Cafu a ser lateral, e não
ponta. Escalaria um volante mais
recuado pelo meio e um armador
de cada lado, com funções defensivas e ofensivas, como fazem Palmeiras e Corinthians. Ronaldinho continuaria livre, perto dos
dois atacantes. Se precisar reforçar a marcação, é só colocar mais
um volante. Os três atacantes seriam outra opção, sem mexer no
número de zagueiros.
Com qualquer desenho tático e
filosofia, a equipe é outra em relação às eliminatórias. Nenhuma
seleção do mundo tem três talentos na frente como o Brasil. Mas,
se o técnico simplificar e acabar
com o pedágio, fica mais fácil.
"Me ajuda a olhar!"
Parece que Ronaldinho, o gaúcho, amadureceu. Não é mais o
menino Ronaldinho. É o homem
Ronaldinho. No início de sua carreira, ele tinha um enorme talento, pronto para explodir. Explodiu! Está mais veloz, técnico, forte, com mais mobilidade e mais
confiança. Sabe que é um craque.
Em todos os ramos, há muitos
jovens como o Ronaldinho, com
grande talento, prontos para brilhar. Mas precisam ser ajudados.
Não se ensina criatividade e habilidade, mas aprende-se a usá-las.
O escritor Eduardo Galeano, no
belíssimo "Livro dos Abraços",
narrou essa história: "Diego não
conhecia o mar. O pai, Santiago
Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o
Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim
alcançaram aquelas alturas de
areia, depois de muito caminhar,
o mar estava à frente de seus
olhos. E foi tanta a imensidão do
mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E
quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu
ao pai: "Me ajuda a olhar".
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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