São Paulo, domingo, 21 de abril de 2002

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FUTEBOL
Os vários times de Felipão

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Logo após o jogo contra Portugal, fiquei na dúvida se havia gostado ou não da seleção brasileira. Houve brilhantes jogadas isoladas, mas não brilho coletivo. Galvão Bueno e Falcão elogiaram tanto o time que fiquei confuso. Será que assisti a uma outra partida? Parece até que o Brasil empatou com a França ou a Argentina. Portugal tem um bom time, mas não está entre os seis candidatos ao título.
De bom, ou melhor, de ótimo, foi ver os dois excepcionais Ronaldos. Era duro ver os jogos das eliminatórias. Se os dois estiverem em forma na Copa, entrosados, as deficiências individuais e coletivas do Brasil poderão ser mascaradas. Foi o que ocorreu em 98, até o jogo final. Com um Ronaldo, quase ganhamos o título. Agora, são dois para desequilibrar.
De ruim, foi ver dois times brasileiros em campo no primeiro tempo. O da linha do meio-campo para trás, formado por sete atletas e mais o goleiro, e o do meio para frente, com três. A turma de trás marca, bate, arrepia, e a da frente cria e brilha. Um lado não se mistura com o outro. É proibido! Paga pedágio. Somente Roberto Carlos e, principalmente, Cafu tentavam passar para o outro lado, mas sempre muito apressados. Não participam da organização das jogadas.
Gilberto Silva e Emerson, únicos jogadores de meio-campo, estão sobrecarregados. Além de marcar, limitam-se a chegar próximos da linha do meio e tocar a bola para Ronaldinho, o gaúcho.
Emerson, que já foi um bom meia ofensivo no Grêmio, cada vez mais parece um volante-volante. Ele deu uns 500 empurrões e uns 500 chutes no tornozelo do Figo. Funcionou. O português ficou quietinho e discreto. Eles também bateram muito. Após o jogo, Felipão ainda reclamou da pouca virilidade dos brasileiros.
Ronaldinho aceitou a responsabilidade e o desafio de ser a inteligência da equipe. Mas é um só. Além disso, não é um jogador de meio-campo que avança. É um atacante que recua. São funções diferentes. Ele precisa de um companheiro, de um autêntico meia-armador, que jogue de uma intermediária à outra.
A seleção não teve apenas dois times no primeiro tempo. No segundo, apresentou outros dois. Um com dois zagueiros e três volantes (entrou o Kléberson), e o outro com dois volantes, dois zagueiros e três atacantes. Tantas mudanças são necessárias, ou isso demonstra a competência do técnico? Nenhuma das outras seleções muda tão radicalmente o esquema tático durante a partida.
Uma característica dos times do Felipão é essa confusão. No final costuma dar certo. Ele não é muito bom de teoria, mas é de prática. Executa bem o que planeja, mesmo quando está errado.
Para simplificar, bastaria o time atuar desde o início com uma linha de quatro defensores e obrigar o Cafu a ser lateral, e não ponta. Escalaria um volante mais recuado pelo meio e um armador de cada lado, com funções defensivas e ofensivas, como fazem Palmeiras e Corinthians. Ronaldinho continuaria livre, perto dos dois atacantes. Se precisar reforçar a marcação, é só colocar mais um volante. Os três atacantes seriam outra opção, sem mexer no número de zagueiros.
Com qualquer desenho tático e filosofia, a equipe é outra em relação às eliminatórias. Nenhuma seleção do mundo tem três talentos na frente como o Brasil. Mas, se o técnico simplificar e acabar com o pedágio, fica mais fácil.

"Me ajuda a olhar!"
Parece que Ronaldinho, o gaúcho, amadureceu. Não é mais o menino Ronaldinho. É o homem Ronaldinho. No início de sua carreira, ele tinha um enorme talento, pronto para explodir. Explodiu! Está mais veloz, técnico, forte, com mais mobilidade e mais confiança. Sabe que é um craque.
Em todos os ramos, há muitos jovens como o Ronaldinho, com grande talento, prontos para brilhar. Mas precisam ser ajudados. Não se ensina criatividade e habilidade, mas aprende-se a usá-las.
O escritor Eduardo Galeano, no belíssimo "Livro dos Abraços", narrou essa história: "Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava à frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: "Me ajuda a olhar".

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