São Paulo, quinta, 21 de maio de 1998

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MATINAS SUZUKI JR.
Repulsa e recuo

A coluna que se segue já estava escrita quando me chegou a notícia de que a Fifa, após carta de João Havelange para a Folha, resolveu aceitar o pedido de credenciamento para o jornalista Juca Kfouri.
Resolvi manter o teor do texto por várias razões: a primeira, porque nunca é demais relembrar o absurdo da decisão e o perigo que ela representa para a liberdade de imprensa; a segunda, porque nunca se saberá realmente se Havelange sabia ou não da decisão -se não sabia, tem gente sabotando o seu trabalho e ele deveria revelar quem é; se sabia, teve de recuar diante da grande repercussão que o fato obteve; a terceira,porque faço questão de manter publicamente o meu apoio a esta Folha e ao Juca.

Não posso deixar de expressar a minha mais profunda repulsa pela atitude adotada pela Fifa no caso Juca Kfouri.
Para quem não sabe, uma credencial dá direito ao jornalista de ter acesso às salas de imprensa (onde ele pode obter informações e facilidades na transmissão do seu material) e às entrevistas coletivas, aos treinos, aos vestiários, momentos fundamentais para desenvolver um trabalho de qualidade para os leitores.
Ao negar um número maior de credenciais à Folha e ao negar a credencial para Juca Kfouri, está se negando o direito de trabalhadores exercerem plenamente o seu ofício.
Na verdade, mais do que o jornal e mais do que o jornalista, quem está sendo punido é o direito do leitor a ser informado, atitude que tem caráter nitidamente censorial, à medida em que se tenta vedar o acesso do profissional às fontes primárias da notícia.
Há vários aspectos na gestão de João Havelange à frente da Fifa que merecem ser criticados. No que nos toca, o apoio irrestrito da entidade maior do futebol à ineficiente gestão do futebol profissional no Brasil, origem da limitação das credenciais à Folha e do veto à credencial de Juca, só tem contribuído para para enfraquecer uma das principais manifestações sócio-culturais, e, nesse novo mundo, até comerciais, do país.
Mas também não há dúvida de que durante o período Havelange na Fifa, graças ao seu tino para negócios, o futebol se desenvolveu, consolidou-se como a principal atividade esportiva do mundo e transformou-se em um dos mais atrativos negócios dentro da riquíssima indústria do entretenimento.
Grandes realizadores, entretanto, não são necessariamente grandes homens. Ao deixar que a sua expansionista administração termine com um fricote de puro ressentimento, Havelange passa para a história uma sombra maior do que ele gostaria de ter para a imagem que faz de si mesmo (entre elas, a de ser merecedor de um prêmio Nobel da paz).
Além disso, atitudes como essa contra a Folha e contra o Juca são contraprodutivas pois só fazem reafirmar na consciência do jornalismo independente o desejo de continuar se insurgindo contra as tentativas de circunscrever as atividades da imprensa.
Esta coluna, situada orgulhosamente no banco de reservas da coluna do Juca, entra no coro dos que estão dizendo não ao não.


Matinas Suzuki Jr. é diretor editorial-adjunto da editora Abril



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