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Campanha na Série B une palmeirenses de forma semi-religiosa, mas
também ressalta suas desavenças e os territórios do Parque Antarctica
Afinal, quem é fiel?
ALEC DUARTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Sábado é dia de missa no Parque Antarctica. E ai do palmeirense que não comparecer.
Acompanhar as aventuras do time na Série B do Campeonato
Brasileiro virou uma obrigação
quase religiosa. Não por acaso os
jogos do Palmeiras são o evento
esportivo mais concorrido de São
Paulo neste 2003.
Anteontem, no 1 a 0 contra o
Londrina, 20 mil fanáticos cumpriram sua obrigação.
A catarse coletiva é evidente.
Um exemplo: a torcida aplaudiu a
divulgação da renda (R$
206.370,00) e do público (20.531
pagantes). Alguns duvidaram,
acreditando haver mais gente.
Quem é palmeirense conhece o
ônus de faltar ao ritual. No mínimo 8.000 falharam no sábado -o
estádio comporta 28 mil pessoas.
Certamente serão repreendidos e
prometerão reaparecer.
Basta dar uma volta ao redor do
Parque Antarctica para constatar
o patrulhamento. É fácil ver alguém indagando, no celular, se o
interlocutor está chegando ao estádio. Se não estiver, invariavelmente escuta palavrões.
Na internet também há correntes de e-mail convocando os amigos para ir aos jogos de sábado
quando o Palmeiras é mandante
-na Série B foram sete, e o clube
ainda não perdeu nenhum.
Mais: há gente oferecendo, em
sites de leilão e trocas, até R$ 200
pelo novo uniforme, concebido
pela Diadora e que já está à venda
nos Estados Unidos, Japão e Itália
-no Brasil, a novidade só deve
chegar às lojas em agosto.
É como se a volta do clube à primeira divisão dependesse apenas
da performance da torcida.
Fenômeno sazonal
Tanto interesse provocou uma
corrida aos ingressos para os jogos do Palmeiras. O clube já chegou a vender 28 mil bilhetes com
antecedência. Para efeito de comparação, só 75 corintianos compraram suas entradas até a véspera do jogo de anteontem contra o
Guarani, no Pacaembu.
O "boom" de popularidade é
um fenômeno que já aconteceu
com o próprio Corinthians, no
período das vacas magras (o jejum de títulos entre 1955 e 1977),
quando notadamente cresceram
o fervor e a fé que até hoje caracterizam seus simpatizantes.
Ao mesmo tempo em que une
seus seguidores, o Palmeiras também divide. No Parque Antarctica, essa fragmentação aparece a
olhos vistos. O próprio estádio foi
dividido em fatias. Cada qual com
perfil e comportamento próprios.
Só uma coisa, além do amor pelo clube, une essa gente: os "estribilhos agressivos contra a minha
pessoa", como o presidente Mustafá Contursi define os protestos
sistemáticos do público em reprovação à sua gestão.
Já virou tradição ver as pessoas
voltadas para os camarotes do setor coberto procurando o rotundo presidente do clube. Mesmo se
ele não estiver presente, os cânticos vão lembrar a rusga.
No final dos jogos, enquanto se
dirigem para a saída que leva à rua
Turiassu, os torcedores da arquibancada aproveitam a proximidade com as cadeiras para xingar
o dirigente, responsabilizado pela
desastrosa campanha que levou o
Palmeiras à segunda divisão.
De resto, as tribos não falam a
mesma língua. Pelo contrário: o
relacionamento entre elas é bastante belicoso. Há quase uma batalha territorial por mais poder e
influência dentro do estádio.
A Mancha Alviverde, torcida
organizada que controla um setor
considerável do Parque Antarctica, comemorou uma vitória pessoal anteontem. Depois de oito
anos, foi autorizada pela Polícia
Militar a estender faixas com seu
nome. Até exagerou na dose: colocou três, uma delas invadindo o
espaço de outras facções.
A necessidade de agradar à polícia -para obter novas concessões- e também ao torcedor comum fez a Mancha amansar. A
uniformizada, que antes gritava
versos como "vou dar porrada
pra valer", hoje embarca no espírito do Palmeiras versão Segundona para entoar "Porco, você é
alegria no meu coração".
Torcida contra torcida
O esforço de marketing não
adiantou muito. A organizada é
vista com ressalvas por todo o resto do estádio. Mesmo agora,
quando grita mais "Palmeiras" do
que "Mancha" -sempre foi acusada de fazer o contrário.
A turma que senta atrás do gol,
abaixo do placar, considera grave
a intransigência da Mancha, habituada a cercear protestos contra a
atuação do time.
Nesse setor se concentra gente
que participa da política do clube,
na oposição. Ali é comum ver camisetas com a frase "Jamais esqueceremos 2002, traidores" estampada. Ter o direito de criticar,
inclusive o time, põe a confraria
em rota de colisão com a poderosa uniformizada.
Outra característica de quem
senta ali é o bom humor e a preocupação com detalhes periféricos.
Anteontem, uma policial militar
que conversava com um colega à
paisana teve de interromper o
diálogo porque parte da arquibancada gritava "tá namorando".
Minutos depois, um torcedor
passou mal e precisou ser levado
de maca. "Também, com o time
que nós temos", ouviu-se.
Outro nicho do Parque Antarctica abriga todas as outras torcidas organizadas, com exceção da
Mancha -cuja expansão sufocou
diversas pequenas facções.
Algumas estão se reagrupando,
sob novos nomes. Tímidas, dividem espaço com a TUP, a pioneira. No estádio, elas têm um objetivo: "atravessar" os cânticos da
Mancha para demonstrar "independência" da maior facção.
A reação dos "amendoins"
Mais célebres, os "amendoins"
ocupam as cadeiras coberta e descoberta. Há 20 dias, contra o Botafogo, puseram para fora sua contrariedade ao entoar um "ei, Mancha, vai tomar no c..." que desconcertou quem estava no estádio.
Nas cadeiras ficam os corneteiros históricos do clube, contestados pelos "rivais" de arquibancada. Há mais ingredientes na briga
do que simples luta de classes (afinal, quem paga R$ 10 por um ingresso nunca foi com a cara de
quem paga R$ 30).
Os "amendoins" também são o
alvo predileto dos ocupantes do
"confessionário", pedaço que
abriga os que mais vociferam
contra tudo e contra todos. Ali,
muitos tiram dúvidas sobre lances do jogo por meio do aparelho
de TV instalado num camarote.
Para acirrar a briga, quem fica
nas cadeiras considera nociva a
proteção que parte da arquibancada -o setor controlado pela
Mancha- dá aos atletas, mesmo
quando eles jogam mal.
Por enquanto, mesmo que aos
pedaços, todo esse amor tem sido
correspondido dentro de campo.
Questão de fidelidade.
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