São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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o maratonista

Levado a Atenas pela mãe aos 12 anos, o baiano Pedro virou Petros, adaptou-se ao país e hoje serve de tradutor do padre Konstantino, que explica o que são os pequenos altares espalhados pelas ruas locais

Saudade da BAHIA

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

Por toda a avenida Maratona, nas calçadas de ruas dos vilarejos e até mesmo na porta de hotéis, lá estão elas: espécie de igrejinhas sobre pedestais, feitas de madeira ou pedra, algumas enfeitadas com flores, retratos ou velas acesas e de tamanho variável -média de 80 cm de altura.
O que será aquilo?
Padre Konstantino Chaligiannis, que acaba de rezar um casamento entre albaneses convertidos na igreja ortodoxa localizada no km 18 da caminhada, explica o significado do que os gregos chamam de "eclisaki" (justamente, o diminutivo de "eclisia", igreja).
Barba rala, mas grande, dentes encardidos, olhos meio assustados, ele entra na sacristia depois da cerimônia colocando um profiterole de chocolate da festa na boca com a mão esquerda, enquanto estende a direita para uma fiel beijá-la.
Ele diz que a "eclisaki" marca o lugar onde houve um acidente de carro, com mortos ou não. "Em ambos os casos, é uma oferenda a Deus: ou pedindo que guarde a alma do morto ou agradecendo a Ele por não ter levado a pessoa", explica o padre, que não fala uma palavra em inglês.
Quem faz a tradução é Petros Konstantinos Potzouvolis, 18, cujo nome no passaporte é Pedro Henrique Carvalho Souza. Nascido em Itabuna, interior da Bahia, ele veio para Atenas aos 12 anos, acompanhando a mãe e o novo marido dela, um funcionário público grego. O rapaz não sabe dizer como os dois se conheceram:
"Isso é assunto de minha mãe [que hoje tem 35 anos]. Eu era moleque, ela estava fazendo a vida dela", reage Petros, que nunca conheceu o pai verdadeiro. O sotaque baiano é, aos poucos, vencido pelo avanço do grego, que ele afirma falar melhor que o português.
Mas não foi sempre assim: "Imagine o que senti quando saí do interior da Bahia, onde tinha primos, avós, toda a família, e de repente vim a um lugar onde não entendia nada do que as pessoas diziam nem era entendido por ninguém", diz.
Na ocasião, Pedro Henrique estava na quarta série, atrasado para seus 12 anos. Ao chegar, colocaram-no no equivalente à sexta. "Fiquei completamente revoltado, batia em todo mundo. Eram mil pessoas na escola, briguei com todas", recorda.
Passou. Ele fez amigos, adaptou-se, foi batizado e tornou-se afilhado do padre, que o ajudou nas horas ruins -o padrão de vida da família sofreu uma queda.
"Meu padrasto não está mais rico como no princípio. Eu tinha moto, minha mãe nunca trabalhou, e os dois viajavam muito. Mas ele começou a sofrer do coração e precisou se afastar do trabalho. Agora, vive de aposentadoria: não que estejamos pobres, mas não é a mesma coisa", conta.
Embora nunca tenha voltado ao Brasil, Petros responde prontamente quando perguntam se prefere feijoada ou souvlaki: "Claro que é feijoada, mermão, com tudo que tem dentro, orelha de porco, paio, mocotó... Onde é que se come feijoada aqui, sabe não?".
Há dois anos, ele quis adiantar o serviço militar obrigatório, mas só cumpriu três meses, porque preferiu estudar mais para conseguir uma patente melhor. "Como é o nome do posto mais baixo?", ele pergunta, esquecido das palavras. "Soldado? Pois é, eu não quero ser soldado nem general, quero ficar no meio", explica.
Atualmente, ele vive sozinho em um quarto-sala-cozinha-banheiro, estuda computação e trabalha em um armazém que revende frutas e legumes. Por seis horas diárias, ganha 700 mensais.
O armazém fica em Rafina, na altura do km 20 da avenida Maratona. Rafina é onde está o porto que leva a Mikonos, a mais famosa ilha grega. E Mikonos, bom, aí só indo lá pra ver.


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