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o maratonista
Levado a Atenas pela mãe aos 12 anos, o baiano Pedro virou Petros, adaptou-se ao país e hoje serve de tradutor do padre Konstantino, que explica o que são os pequenos altares espalhados pelas ruas locais
Saudade da BAHIA
PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
Por toda a avenida Maratona,
nas calçadas de ruas dos vilarejos
e até mesmo na porta de hotéis, lá
estão elas: espécie de igrejinhas
sobre pedestais, feitas de madeira
ou pedra, algumas enfeitadas com
flores, retratos ou velas acesas e de
tamanho variável -média de 80
cm de altura.
O que será aquilo?
Padre Konstantino Chaligiannis, que acaba de rezar um casamento entre albaneses convertidos na igreja ortodoxa localizada
no km 18 da caminhada, explica o
significado do que os gregos chamam de "eclisaki" (justamente, o
diminutivo de "eclisia", igreja).
Barba rala, mas grande, dentes
encardidos, olhos meio assustados, ele entra na sacristia depois
da cerimônia colocando um profiterole de chocolate da festa na
boca com a mão esquerda, enquanto estende a direita para uma
fiel beijá-la.
Ele diz que a "eclisaki" marca o
lugar onde houve um acidente de
carro, com mortos ou não. "Em
ambos os casos, é uma oferenda a
Deus: ou pedindo que guarde a alma do morto ou agradecendo a
Ele por não ter levado a pessoa",
explica o padre, que não fala uma
palavra em inglês.
Quem faz a tradução é Petros
Konstantinos Potzouvolis, 18, cujo nome no passaporte é Pedro
Henrique Carvalho
Souza. Nascido em Itabuna, interior da Bahia,
ele veio para Atenas aos
12 anos, acompanhando
a mãe e o novo marido
dela, um funcionário
público grego. O rapaz
não sabe dizer como os
dois se conheceram:
"Isso é assunto de minha mãe [que hoje tem
35 anos]. Eu era moleque, ela estava fazendo a
vida dela", reage Petros,
que nunca conheceu o
pai verdadeiro. O sotaque baiano é, aos poucos, vencido pelo avanço do grego, que ele afirma falar melhor que o
português.
Mas não foi sempre
assim: "Imagine o que
senti quando saí do interior da
Bahia, onde tinha primos, avós,
toda a família, e de repente vim a
um lugar onde não entendia nada
do que as pessoas diziam nem era
entendido por ninguém", diz.
Na ocasião, Pedro Henrique estava na quarta série, atrasado para
seus 12 anos. Ao chegar, colocaram-no no equivalente à sexta.
"Fiquei completamente revoltado, batia em todo mundo. Eram
mil pessoas na escola, briguei
com todas", recorda.
Passou. Ele fez amigos, adaptou-se, foi batizado e tornou-se
afilhado do padre, que o ajudou
nas horas ruins -o padrão de vida da família sofreu uma queda.
"Meu padrasto não está mais rico como no princípio. Eu tinha
moto, minha mãe nunca trabalhou, e os dois viajavam muito.
Mas ele começou a sofrer do coração e precisou se afastar do trabalho. Agora, vive de aposentadoria:
não que estejamos pobres, mas
não é a mesma coisa", conta.
Embora nunca tenha voltado ao
Brasil, Petros responde prontamente quando perguntam se prefere feijoada ou souvlaki: "Claro
que é feijoada, mermão, com tudo
que tem dentro, orelha de porco,
paio, mocotó... Onde é que se come feijoada aqui, sabe não?".
Há dois anos, ele quis adiantar o
serviço militar obrigatório, mas
só cumpriu três meses, porque
preferiu estudar mais para conseguir uma patente melhor. "Como
é o nome do posto mais
baixo?", ele pergunta, esquecido das palavras.
"Soldado? Pois é, eu não
quero ser soldado nem
general, quero ficar no
meio", explica.
Atualmente, ele vive
sozinho em um quarto-sala-cozinha-banheiro,
estuda computação e
trabalha em um armazém que revende frutas e
legumes. Por seis horas
diárias, ganha 700
mensais.
O armazém fica em
Rafina, na altura do km
20 da avenida Maratona.
Rafina é onde está o porto que leva a Mikonos, a
mais famosa ilha grega.
E Mikonos, bom, aí só
indo lá pra ver.
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