São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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POLIFONIA

De um quintal em Kiribati ao encanto grego

MARCELO DIEGO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

Procure no mapa com atenção. À direita da Austrália, no Pacífico, quase na altura da linha do Equador. Coloque uma lupa nesse ponto. Ali estará o Kiribati.
É um arquipélago de 33 ilhas, a maioria inabitada e cujo ponto mais alto fica a 1,98 m acima do nível do mar. Tem 98.549 habitantes, em 811 km2. Faz, ao lado do Timor Leste, sua estréia olímpica.
E coube a Kaitinano Mwemweata representar esse país ontem, nas eliminatórias dos 100 m rasos, no atletismo. Esperança de medalha não existia. Mas o resultado passou longe de um fiasco. A atleta de 20 anos cravou 13s07, seu melhor resultado pessoal, na quarta bateria. Na classificação final, ficou em 55º lugar, à frente de oito atletas.
Se o que vale é competir, o feito de Mwemweata foi notável. A atleta vive em um país sem ginásio, estádio ou pista de atletismo. A preparação ocorre no quintal da casa do treinador, de chão pedregoso, misturado com areia. O único refresco é a sombra dos coqueiros. Até quatro semanas antes dos Jogos, os 80 atletas do Kiribati dividiam entre si dez pares de tênis. Na semana passada, ela ganhou seu primeiro par exclusivo.
Mwemweata já havia disputado campeonatos na Oceania, mas só chegou à Olimpíada por meio de um convite. Seus familiares não têm idéia de onde fica Atenas e com certeza não acompanharam seu desempenho pela televisão -o país conta com raros aparelhos, que não recebem transmissões ao vivo, pois não há antena parabólica.
"Fiquei muito assustada. Tudo aqui é gigantesco", declara, sobre suas impressões iniciais acerca da cidade. Na primeira noite, jantou no McDonald's, rede que conhecia só de fama. Depois, dormiu em um quarto com ar condicionado, colchão e lençol. "É muito mais confortável", diz. Na sua casa, que divide com a tia, ela dorme no chão.
Para chegar aos Jogos, a delegação (três atletas e sete cartolas) saiu da capital Tarawa para Brisbane. De lá, foi a Dubai. E, depois, a Atenas.
Mwemweata diz que virou corredora para ser respeitada. "Tratam-me como se eu fosse uma pessoa branca", afirma a atleta negra, representante de uma ex-colônia britânica, independente só em 1979.
Ela ainda tem dois desejos a realizar em um curto espaço de tempo. Um parece mais difícil: obter uma bolsa de estudos para treinar em um grande centro mundial (Europa ou os EUA). Outro é mais prosaico: tirar uma foto ao lado da americana Marion Jones, três ouros em Sydney-2000.


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