São Paulo, sexta-feira, 21 de setembro de 2007

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XICO SÁ

Virada só se for na cama

Foi só o São Paulo enfrentar um time portenho para retornar à condição de humano, humaníssimo

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, foi só ouvir falar numa tal Virada Esportiva, que acontece de sábado para domingo aqui em São Paulo, para me dar uma preguiça monstruosa. Quase não sai nem esta crônica. Ali acordando, liguei no José Trajano, vi o anúncio da parada. Que preguiça, irmão, escute só os estalos das costelas mais bíblicas. De novo. Trac, trec, nada como a inércia de uma bela ressaca. Que preguiça monstruosa dessas coisas, dessa gente que teima contra os vermes inevitáveis dessa vida-gorgonzola.
Quando escuto falar em Virada Esportiva eu viro pro outro lado em cima da nega na cama. Vontade de dormir até segunda, para não ver esse espetáculo de degradação humana. Triste. Essa história de morrer corado e cheio de saúde não me convence nunca, que falta do que fazer dessa humanidade que deseja uma morte bonita, linda, exemplar, uma morte com cheiro dos consultórios ortomoleculares, os que teimam em ludibriar, comprar a velha da foice com falsos sorrisos, elixires, promessas de regimes, cápsulas milagrosas, emplastos e uma centena de abdominais ridículos.
Que preguiça, Trajano, que preguiça, Peninha, que também estava lá, mais eloqüente do que a gaita do Bob Dylan, que preguiça, Dudu, prefiro rede no alpendre de Juiz de Fora, prefiro coçar meu bicho-de-pé na praia do Janga. Parem com isso, respeitem a inevitabilidade da morte, vão ler Philip Roth, narrando a desgraça do fim do espetáculo humano a cada livro. Das artes de suar, só uma merece respeito: o sexo.
E olhe lá, porque não carece esses bambuais todos, melhor pegar de jeito, com devoção, do que morrer de cãibra e se iludir com a dramaturgia do orgasmo brechtiniano da moça do teatro da vertigem. Amigo torcedor, amigo secador, voltemos à cumeeira destas linhas, façamos de conta que essa Virada Esportiva não existe e nunca existiu.
Amigo tricolor, vamos falar do Boca. Viram o segredo para fazer mais de um gol no São Paulo? É só não crer no oba-oba da imprensa paulistana. Fácil, fácil. O corvo Edgar esperava por essa hora: deixa pegar um time argentino, que não cai na lenda urbana da equipe imbatível, que em um instante retorna à condição de humano, humaníssimo, um time em nada melhor do que tantos outros de nossas floridas várzeas. Só um portenho ou recifense, como o Náutico, para mostrar aos Pedros Henriques Buenos o caminho de casa.
Vamos falar do Kerlon, esse menino que dá ao jogo a fantasia de Alice no País das Maravilhas, apesar da estupidez de Leões e Coelhos. Que jogo Cruzeiro 4 x 3 Atlético! Que jogaço também Vasco 1 x 1 Flamengo!
A arte de suar tem outro motivo decente: ser um garoto e jogar um clássico no Maraca, principalmente com a camisa rubro-negra, que joga sozinha sim, tem hora que você nem vê o manequim de gesso que desfila com ela, fenômeno.
Amigo, agora para fechar as cortinas, falemos da épica vitória do ABC na Amazônia, pela Terceirona, 3 a 2 no Fast Clube, no coração da selva, no Flora de Mendonça, Itacoatiara (AM). O herói, de novo, Peninha e Ferla, foi o zagueiro gaúcho Ben-Hur, anotem esse nome, é a cara do Grêmio, vai cair como uma luva (de peso-pesado, é claro!) na sempre delicada e santa zaga do Olímpico.


xico.folha@uol.com.br

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