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São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2003

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FUTEBOL

Lelê, Parreira e Zé Roberto

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Meu nome é Leocádio, mas todo mundo me chama de Lelê. No dia que foi o ontem de ontem eu tinha terminado de jantar e já estava subindo para o quarto, quando meu pai falou:
- Lelê, hoje tem jogo do Brasil.
Isso me deixou muito contente, porque quando tem jogo do Brasil na televisão fica a maior bagunça em casa e eu não preciso mais dormir cedo.
Quando eu cheguei na sala já estava todo mundo lá: a minha mãe (que costurava uma calça minha, porque as minhas calças sempre têm um defeito que é rasgar no lugar do joelho), o meu avô (que fumava cachimbo), o meu pai (que tossia por causa do cachimbo do meu avô) e o meu tio Torero (que estava com um sanduíche numa mão e um quindim na outra).
Dessa vez o jogo era contra o Uruguai. Eu acho que era um jogo importante, porque meu avô falou:
- Vamos vingar a derrota de 50!
Eu fiquei pensando um tempão naquilo, e eu acho que é porque num jogo o Uruguai deve ter ganhado de 50 a 0, e agora o Brasil tem que ganhar igual para esquecer. Na escola é assim: quando a Bruna me xinga, eu só fico feliz quando xingo ela de volta. Aí é legal.
Antes de o jogo começar, todo mundo estava falando mal da seleção. Minha mãe dizia que o Zé Roberto era muito ruim, o meu avô falava que o Brasil não sabia atacar, o meu pai reclamava do Parreira, e o meu tio dizia que o time era muito previsível.
Mas aí, quando acabou o primeiro tempo, a seleção estava ganhando de 2 a 0, e todo mundo tinha mudado de idéia. Minha mãe dizia que o Zé Roberto era ótimo, o meu avô falava que o Brasil atacava muito bem, o meu pai elogiava o Parreira, o meu tio dizia que a seleção tinha surpreendido todo mundo.
Até os moços da televisão, o Falcão, o Galvão e o Casagrande, que não tem ão no nome, mas tem grande, que é a mesma coisa, falavam que o Brasil ia golear.
Só que no segundo tempo o Uruguai fez três gols, e aí todo mundo começou a reclamar da seleção. Minha mãe xingava o Parreira, o meu avô xingava o Zé Roberto, o meu tio xingava o Lúcio, os moços da TV xingavam todo mundo, e o meu pai xingava o meu avô porque ele não parava de fumar cachimbo.
Mas aí o Brasil empatou e foi a maior gritaria, porque quando o Brasil joga a gente pode gritar, pular e jogar as almofadas para o alto, mas nos outros dias não.
Quando o jogo acabou, eu fui para o meu quarto e estava o maior confuso, porque não sabia se o Parreira era um gênio ou um burro, se o Zé Roberto era craque ou grosso e nem se o nosso time era o melhor do mundo ou o pior do universo.
Então eu vi que quando a gente fala que um jogo vai ser de um jeito, às vezes acontece uma coisa diferente do que a gente falou, e o jogo fica sendo de outro jeito.
Acho que a gente só sabe como vai ser amanhã depois que ele já virou ontem.

Clássico de ocasião
Há clássicos históricos como Fla-Flu, Ba-Vi e Gre-Nal. Mas além desses há aqueles jogos que, numa determinada época ou circunstância, tornam-se muito interessantes. Foi assim com Corinthians x Juventus nos anos 70 ou Palmeiras x Grêmio nos 90. Nas divisões subterrâneas do futebol, Santo André e Ituano fazem um jogo com essas características. As duas equipes andaram fazendo duelos decisivos nos últimos anos e agora, além de serem os representantes paulistas no quadrangular final da Série C, farão também a final da Copa do Estado. Aqui nas alturas ninguém vai ver, ninguém vai prestar atenção, mas a verdade é que esse clássico de ocasião estará animando duas grandes cidades nos próximos fins de semana.

E-mail torero@uol.com.br


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