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FUTEBOL
Lelê, Parreira e Zé Roberto
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Meu nome é Leocádio, mas
todo mundo me chama de
Lelê. No dia que foi o ontem de
ontem eu tinha terminado de jantar e já estava subindo para o
quarto, quando meu pai falou:
- Lelê, hoje tem jogo do Brasil.
Isso me deixou muito contente,
porque quando tem jogo do Brasil
na televisão fica a maior bagunça
em casa e eu não preciso mais
dormir cedo.
Quando eu cheguei na sala já
estava todo mundo lá: a minha
mãe (que costurava uma calça
minha, porque as minhas calças
sempre têm um defeito que é rasgar no lugar do joelho), o meu avô
(que fumava cachimbo), o meu
pai (que tossia por causa do cachimbo do meu avô) e o meu tio
Torero (que estava com um sanduíche numa mão e um quindim
na outra).
Dessa vez o jogo era contra o
Uruguai. Eu acho que era um jogo importante, porque meu avô
falou:
- Vamos vingar a derrota de
50!
Eu fiquei pensando um tempão
naquilo, e eu acho que é porque
num jogo o Uruguai deve ter ganhado de 50 a 0, e agora o Brasil
tem que ganhar igual para esquecer. Na escola é assim: quando a
Bruna me xinga, eu só fico feliz
quando xingo ela de volta. Aí é legal.
Antes de o jogo começar, todo
mundo estava falando mal da seleção. Minha mãe dizia que o Zé
Roberto era muito ruim, o meu
avô falava que o Brasil não sabia
atacar, o meu pai reclamava do
Parreira, e o meu tio dizia que o
time era muito previsível.
Mas aí, quando acabou o primeiro tempo, a seleção estava ganhando de 2 a 0, e todo mundo tinha mudado de idéia. Minha
mãe dizia que o Zé Roberto era
ótimo, o meu avô falava que o
Brasil atacava muito bem, o meu
pai elogiava o Parreira, o meu tio
dizia que a seleção tinha surpreendido todo mundo.
Até os moços da televisão, o Falcão, o Galvão e o Casagrande,
que não tem ão no nome, mas
tem grande, que é a mesma coisa,
falavam que o Brasil ia golear.
Só que no segundo tempo o
Uruguai fez três gols, e aí todo
mundo começou a reclamar da
seleção. Minha mãe xingava o
Parreira, o meu avô xingava o Zé
Roberto, o meu tio xingava o Lúcio, os moços da TV xingavam todo mundo, e o meu pai xingava o
meu avô porque ele não parava
de fumar cachimbo.
Mas aí o Brasil empatou e foi a
maior gritaria, porque quando o
Brasil joga a gente pode gritar,
pular e jogar as almofadas para o
alto, mas nos outros dias não.
Quando o jogo acabou, eu fui
para o meu quarto e estava o
maior confuso, porque não sabia
se o Parreira era um gênio ou um
burro, se o Zé Roberto era craque
ou grosso e nem se o nosso time
era o melhor do mundo ou o pior
do universo.
Então eu vi que quando a gente
fala que um jogo vai ser de um jeito, às vezes acontece uma coisa
diferente do que a gente falou, e o
jogo fica sendo de outro jeito.
Acho que a gente só sabe como
vai ser amanhã depois que ele já
virou ontem.
Clássico de ocasião
Há clássicos históricos como
Fla-Flu, Ba-Vi e Gre-Nal. Mas
além desses há aqueles jogos
que, numa determinada época
ou circunstância, tornam-se
muito interessantes. Foi assim
com Corinthians x Juventus
nos anos 70 ou Palmeiras x Grêmio nos 90. Nas divisões subterrâneas do futebol, Santo André e Ituano fazem um jogo
com essas características. As
duas equipes andaram fazendo
duelos decisivos nos últimos
anos e agora, além de serem os
representantes paulistas no
quadrangular final da Série C,
farão também a final da Copa
do Estado. Aqui nas alturas
ninguém vai ver, ninguém vai
prestar atenção, mas a verdade
é que esse clássico de ocasião
estará animando duas grandes
cidades nos próximos fins de
semana.
E-mail torero@uol.com.br
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