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BASQUETE
A liqüidação de Natal
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
O cidadão deixa escapar
uma frase infeliz, fala um
disparate qualquer. O repórter
gargalha por dentro, finge que
não ouviu nada de absurdo e muda de assunto, para não permitir
que o entrevistado, alongando-se
no raciocínio, desautorize as aspas e arruine a manchete.
Pensei no jornalismo do deslize,
malvado e rasteiro, na tarde de
quinta-feira, quando li na internet a notícia de que Lula Ferreira
assumirá em janeiro a Secretaria
Municipal de Esportes de Ribeirão Preto -e de que, apesar das
novas atribuições, pretende seguir no comando do time da cidade, tricampeão paulista, e da seleção brasileira masculina. "Será
possível conciliar", justificava-se
o técnico, no texto. "A seleção é
uma coisa pontual."
Uma coisa pontual?!
Não é possível que o Lula tenha
dito uma bobagem dessas, reagi
na hora. Como todo basqueteiro
inteligente, ele aprendeu que, ao
menos neste país, a saúde de uma
modalidade depende diretamente do desempenho internacional
de seus competidores de ponta.
O vôlei nasceu com a "geração
de prata" e se estabeleceu com o
ouro olímpico em Barcelona-92.
O tênis explodiu com Guga. A F-1
manteve-se com Fittipaldi, Piquet
e Senna. A ginástica engatinha
com Daiane & os Hypólitos...
Em contrapartida, o basquete,
outrora o segundo esporte mais
popular do Brasil, mas que só coletou nos últimos anos maus resultados em Mundiais e Olimpíadas, simplesmente esvaneceu.
Talvez apenas a seleção brasileira -e justamente a masculina,
dado o machismo que prevalece
nas quadras- seja capaz de interromper esse sangramento.
Uma coisa pontual?!
Deve ter sido um deslize, insisti
comigo. Aliás, deve ter sido tudo
um chato mal-entendido, supus.
Lula sempre defendeu um técnico exclusivo para a seleção. Assim que assumiu o cargo, há somente dois anos, ele lamentou à
coluna a necessidade de encaixar
os novos compromissos na rotina
de treinos e jogos de seu clube: "É
ruim. Eu gosto de planejamento,
de parar para pensar".
Lula sabe, também, que a CBB
paga seu salário com dinheiro do
governo, repassado via Lei Piva.
Seu trabalho à frente da seleção,
portanto, tem caráter público.
Como, então, justificar ao contribuinte um terceiro emprego, sinal
de tanto desdém? E o que explicar
aos vizinhos ribeirão-pretanos,
tributados em dobro para remunerar o futuro secretário?
Lula, por fim, pôde acompanhar o papelão que viveu neste
ano seu desastrado colega da seleção feminina. Por dois meses, às
portas da Olimpíada de Atenas,
Antonio Carlos Barbosa foi candidato à Prefeitura de Bauru. Estaria ele, Lula, disposto a arriscar
um passo em falso similar?
Não, ele não cometeria tal desatino, está perto de conquistar o tetra estadual, de renovar a credibilidade arranhada pelos seguidos
insucessos à frente da seleção... Eu
nutria meu descrédito até que recebi o retorno da entrevista que
Lula deu à Folha. "Não dimensionei como será meu dia-a-dia,
mas acho que dá. O trabalho na
seleção é ocasional."
O trabalho é ocasional?!
Ponta de estoque 1
A Federação do Rio, que em junho proclamou uma "grande revolução" no basquete nacional, encerrou na semana passada as inscrições para os Estaduais femininos de 2004. Não é erro de digitação,
não. O campeonato adulto de 2004 começou (ou devia começar) ontem. E os torneios de base de 2004 só vão rolar em janeiro de 2005.
Ponta de estoque 2
Deu a lógica no torneio de um time só. O Rio de Janeiro, dirigido por
Oscar, nem precisava da mãozinha da tabela, que obrigou os rapazes
de Campos a disputar oito jogos de mata-mata em 11 dias.
Ponta de estoque 3
Havia 18 anos que o Estado não conhecia um campeão invicto.
E-mail melk@uol.com.br
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