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SAÚDE
Ginasta e corredor, marcados por pressão e lesões, viram professores e dão aula lúdica de suas modalidades a crianças
Ex-esportistas ensinam "esporte do bem"
DA REPORTAGEM LOCAL
Os frágeis ossos e músculos não
agüentaram. Quando a maior
parte dos atletas alcança o auge ou
pensa em entrar na elite nas modalidades que praticavam, eles
decretaram a aposentadoria.
A dor, no entanto, não os afastou do esporte. Pelo contrário.
Natália Eidt, 20, e Sílvio de Lima
Ribeiro, 37, mudaram de lado.
Hoje dão treinos com o mesmo
objetivo: evitar que outras crianças sofram com os mesmos erros.
Ela é ginasta, chegou a defender
a seleção feminina de ginástica
rítmica, parou de competir aos 18
anos por imposição de uma lesão
na coluna. Atualmente um colete
ortopédico é seu companheiro de
corridas e caminhadas.
Ele é corredor. Aos 13 anos despontou por acaso e obteve resultados expressivos. Tão bons que
levaram seu treinador a colocá-lo
até em maratonas -provas de 42
km. Parou aos 17 anos, com dores
musculares e tendinites que muitas vezes não o deixavam andar.
"Quero que minhas alunas
aprendam a ginástica como lazer,
esporte que faz bem, sem pressão.
Se surgir um talento, é claro que
vamos abraçar, mas com cuidado.
A ginástica me deu tudo, eu amo a
ginástica, mas não quero que ninguém passe pelo que eu passei",
afirma Natália, que cursa educação física em sua cidade natal,
Santa Cruz do Sul (RS), onde participa de um programa em que
ministra aulas para crianças.
A lista de problemas começou
aos 8 anos. Após passar dois deles
no esporte, teve a primeira lesão,
edema na virilha. Era grave, mas a
ginasta não podia parar de treinar
por muito tempo. Sem recuperação adequada, a dor a seguia.
"Na minha opinião, quando você se torna profissional, o esporte
deixa de ser sinônimo de saúde."
As sucessivas contusões, no entanto, não foram os únicos fantasmas a atormentar Natália na infância e na adolescência.
A pressão por melhores performances a levou a ter sérios problemas com a balança e a auto-estima. A ginástica rítmica exige
atletas com biótipo alongado e
magro. E, para atingi-lo, muitas
recorrem a dietas mirabolantes.
"No auge na seleção tínhamos
uma multa de R$ 100 por cada 100
gramas engordadas", conta ela,
que foi a Sydney-2000 e ao Pan de
2003, mas acabou cortada antes
de Atenas por causa do peso.
"Eu nunca tinha tido problema
com isso. Quando fui para a seleção, pirei. Fazia regime a semana
toda e treinava quase desmaiando. Na sexta, após a pesagem, ia
direto para a lanchonete. Engordava seis quilos no fim de semana
e passava o domingo tomando laxante, pulando corda... Nem sempre conseguia perder", recorda.
Cansada, Natália deixou o esporte em 2003 ("o pior ano da minha vida"), aos 18 anos.
Silvio tinha um ano a menos
quando parou. Para sua modalidade, nessa fase a elite ainda é sonho. Ele corria meio-fundo (800
m e 1.500 m) e fundo (3.000 m
com obstáculos, 10.000 m e maratona), às vezes, várias provas no
mesmo fim de semana.
"Com seis meses de treino me
colocaram numa maratona. Os
treinos também eram extenuantes. Eu fui fisicamente sobrecarregado. Fui ter certeza mais tarde,
quando me formei em educação
física", afirma.
Além das dores, ele também sofria com a pressão psicológica.
A cada boa apresentação, o técnico lhe cobrava mais. O garoto
percebia que vencia facilmente os
rivais da mesma idade e aumentava sua expectativa. Na contramão,
o pai achava que esporte era "coisa de vagabundo" e não o apoiava.
"A carga psicológica é muito
forte, não é pertinente à idade. A
criança não está preparada."
De volta às ruas há cerca de um
ano -ainda não competiu-, Silvio concilia os próprios treinos
com o trabalho de orientação esportiva para idosos, adultos e
crianças. "Tento passar o atletismo de uma forma lúdica. Respeitar os limites e fazer com que a
criança se sinta motivada."
(GUILHERME ROSEGUINI E MARIANA LAJOLO)
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