São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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SAÚDE

Ginasta e corredor, marcados por pressão e lesões, viram professores e dão aula lúdica de suas modalidades a crianças

Ex-esportistas ensinam "esporte do bem"

DA REPORTAGEM LOCAL

Os frágeis ossos e músculos não agüentaram. Quando a maior parte dos atletas alcança o auge ou pensa em entrar na elite nas modalidades que praticavam, eles decretaram a aposentadoria.
A dor, no entanto, não os afastou do esporte. Pelo contrário. Natália Eidt, 20, e Sílvio de Lima Ribeiro, 37, mudaram de lado. Hoje dão treinos com o mesmo objetivo: evitar que outras crianças sofram com os mesmos erros.
Ela é ginasta, chegou a defender a seleção feminina de ginástica rítmica, parou de competir aos 18 anos por imposição de uma lesão na coluna. Atualmente um colete ortopédico é seu companheiro de corridas e caminhadas.
Ele é corredor. Aos 13 anos despontou por acaso e obteve resultados expressivos. Tão bons que levaram seu treinador a colocá-lo até em maratonas -provas de 42 km. Parou aos 17 anos, com dores musculares e tendinites que muitas vezes não o deixavam andar.
"Quero que minhas alunas aprendam a ginástica como lazer, esporte que faz bem, sem pressão. Se surgir um talento, é claro que vamos abraçar, mas com cuidado. A ginástica me deu tudo, eu amo a ginástica, mas não quero que ninguém passe pelo que eu passei", afirma Natália, que cursa educação física em sua cidade natal, Santa Cruz do Sul (RS), onde participa de um programa em que ministra aulas para crianças.
A lista de problemas começou aos 8 anos. Após passar dois deles no esporte, teve a primeira lesão, edema na virilha. Era grave, mas a ginasta não podia parar de treinar por muito tempo. Sem recuperação adequada, a dor a seguia.
"Na minha opinião, quando você se torna profissional, o esporte deixa de ser sinônimo de saúde."
As sucessivas contusões, no entanto, não foram os únicos fantasmas a atormentar Natália na infância e na adolescência.
A pressão por melhores performances a levou a ter sérios problemas com a balança e a auto-estima. A ginástica rítmica exige atletas com biótipo alongado e magro. E, para atingi-lo, muitas recorrem a dietas mirabolantes.
"No auge na seleção tínhamos uma multa de R$ 100 por cada 100 gramas engordadas", conta ela, que foi a Sydney-2000 e ao Pan de 2003, mas acabou cortada antes de Atenas por causa do peso.
"Eu nunca tinha tido problema com isso. Quando fui para a seleção, pirei. Fazia regime a semana toda e treinava quase desmaiando. Na sexta, após a pesagem, ia direto para a lanchonete. Engordava seis quilos no fim de semana e passava o domingo tomando laxante, pulando corda... Nem sempre conseguia perder", recorda.
Cansada, Natália deixou o esporte em 2003 ("o pior ano da minha vida"), aos 18 anos.
Silvio tinha um ano a menos quando parou. Para sua modalidade, nessa fase a elite ainda é sonho. Ele corria meio-fundo (800 m e 1.500 m) e fundo (3.000 m com obstáculos, 10.000 m e maratona), às vezes, várias provas no mesmo fim de semana.
"Com seis meses de treino me colocaram numa maratona. Os treinos também eram extenuantes. Eu fui fisicamente sobrecarregado. Fui ter certeza mais tarde, quando me formei em educação física", afirma.
Além das dores, ele também sofria com a pressão psicológica.
A cada boa apresentação, o técnico lhe cobrava mais. O garoto percebia que vencia facilmente os rivais da mesma idade e aumentava sua expectativa. Na contramão, o pai achava que esporte era "coisa de vagabundo" e não o apoiava.
"A carga psicológica é muito forte, não é pertinente à idade. A criança não está preparada."
De volta às ruas há cerca de um ano -ainda não competiu-, Silvio concilia os próprios treinos com o trabalho de orientação esportiva para idosos, adultos e crianças. "Tento passar o atletismo de uma forma lúdica. Respeitar os limites e fazer com que a criança se sinta motivada." (GUILHERME ROSEGUINI E MARIANA LAJOLO)


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