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BASQUETE
Magia e agonia
MELCHIADES FILHO
Sobre a majestade, deixo para
outros destilarem os versos. Não
sou poeta; quase sempre que me
arrisquei neste espaço, escorreguei
na pieguice. Direto e claro, então:
Paula foi uma atleta espetacular,
e sua aposentadoria, anunciada
na última terça-feira, foi ao mesmo tardia e precipitada.
Jamais vi uma mulher bater e
conduzir a bola à cesta com tanta
destreza. Até nos EUA, meca do
basquete, sua habilidade é reconhecida e comentada.
Mas o fato é que, de 1998 para
cá, baleada nos joelhos e sem fôlego, Paula foi forçada a sacrificar o
seu jogo. Tornou-o burocrático, tirou-lhe o brilho.
Depois de enriquecido pelos ouros do Pan-91 e do Mundial-94 e
pela prata da Olimpíada-96, seu
currículo empacou. E, a partir da
frustrante campanha do Mundial-98, quando a seleção acabou
no quarto lugar, viu questionado
seu papel de liderança.
Perdeu a paciência com as colegas, e a ascendência sobre elas.
Pudera, a maioria tem cabeça de
vento, e é natural que uma estrela, que se notabilizou pela perseverança e pela garra, acabe se isolando -ou acabe isolada.
Mal assessorada, por fim, esfarelou o que restava de sua automotivação ao aceitar ser coadjuvante na equipe do Osasco.
Decisivo para o time no Paulista, errou o último arremesso da
carreira. E é uma injustiça, e uma
tristeza, que, em vez de aplausos,
sua magia tenha se despedido das
quadras com o som do aro.
Ela deveria ter dito adeus há
dois anos, então? Sim, para preservar o mito. Mas não, se pensarmos na saúde do basquete nacional. Pois, mesmo aquém de sua
forma física e técnica, mesmo desmotivada e mesmo aos 37 anos,
Paula prossegue a mais eficiente
armadora do Brasil.
A realidade é que a posição está
agonizando no Brasil, motivo do
declínio da seleção e das previsões
pessimistas sobre a campanha na
Olimpíada, em setembro.
Helen parece a mais madura
para assumir o ataque do time
que vai aos Jogos. Passa bem, chuta bem, pensa bem. Mas falta-lhe
tutano, espírito de liderança. Não
raramente, cai em vales de depressão em quadra. No Paraná/
Carapicuíba, muitas vezes precisa
ser "despertada" pelas irmãs.
Uma delas, a veloz Silvinha, outro nome certo em Sydney, tem
como defeito exatamente essa
qualidade: o termostato. Capaz
de levantar seu time com investidas fulminantes, constantemente
se perde na execução de lances
ensaiados. Tem o biótipo de armadora, mas seu jogo é de ala.
Claudinha, que divide seu ano
entre Osasco e Detroit, aparenta
ser a mais talentosa, mas ainda
está aprendendo o basquete. Com
frequência, precipita-se nos arremessos -e não sabe arremessar
(força os braços e não usa o tronco, numa contorção corporal às
vezes excruciante).
Paula, que ao longo de 24 anos
maravilhou ginásios distribuindo
presentes na forma de assistências, desta vez não passou a bola.
Ela está pingando, à espera.
NOTAS
Aposentadoria 1
Paula promete se engajar ao
lado da irmã Branca, 34, num
projeto de fomento ao basquete na região de Campinas. Descontando o discurso "social",
que quase sempre não passa de
conversa para boi dormir, trata-se de iniciativa animadora.
Aposentadoria 2
Por falar em Branca, ela foi
bem em sua primeira experiência como comentarista, no
Paulista 99/00, na ESPN Brasil.
Aposentadoria 3
O país tem mais o que fazer,
mas a CBB não: deveria se sentir obrigada a promover uma
homenagem a Paula. A entidade, porém, ingrata, já deixou
Hortência e Oscar na fila.
Aposentadoria 4
A maior contribuição ao basquete, as irmãs Gonçalves da
Silva vão dar se mantiverem a
atitude inconformada e contestadora de suas carreiras. Nariz empinado e pés no chão!
E-mail melk@uol.com.br
Melchiades Filho escreve às terças- feiras
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