São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2000


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BASQUETE
Magia e agonia

MELCHIADES FILHO

Sobre a majestade, deixo para outros destilarem os versos. Não sou poeta; quase sempre que me arrisquei neste espaço, escorreguei na pieguice. Direto e claro, então: Paula foi uma atleta espetacular, e sua aposentadoria, anunciada na última terça-feira, foi ao mesmo tardia e precipitada.
Jamais vi uma mulher bater e conduzir a bola à cesta com tanta destreza. Até nos EUA, meca do basquete, sua habilidade é reconhecida e comentada.
Mas o fato é que, de 1998 para cá, baleada nos joelhos e sem fôlego, Paula foi forçada a sacrificar o seu jogo. Tornou-o burocrático, tirou-lhe o brilho.
Depois de enriquecido pelos ouros do Pan-91 e do Mundial-94 e pela prata da Olimpíada-96, seu currículo empacou. E, a partir da frustrante campanha do Mundial-98, quando a seleção acabou no quarto lugar, viu questionado seu papel de liderança.
Perdeu a paciência com as colegas, e a ascendência sobre elas. Pudera, a maioria tem cabeça de vento, e é natural que uma estrela, que se notabilizou pela perseverança e pela garra, acabe se isolando -ou acabe isolada.
Mal assessorada, por fim, esfarelou o que restava de sua automotivação ao aceitar ser coadjuvante na equipe do Osasco.
Decisivo para o time no Paulista, errou o último arremesso da carreira. E é uma injustiça, e uma tristeza, que, em vez de aplausos, sua magia tenha se despedido das quadras com o som do aro.
Ela deveria ter dito adeus há dois anos, então? Sim, para preservar o mito. Mas não, se pensarmos na saúde do basquete nacional. Pois, mesmo aquém de sua forma física e técnica, mesmo desmotivada e mesmo aos 37 anos, Paula prossegue a mais eficiente armadora do Brasil.
A realidade é que a posição está agonizando no Brasil, motivo do declínio da seleção e das previsões pessimistas sobre a campanha na Olimpíada, em setembro.
Helen parece a mais madura para assumir o ataque do time que vai aos Jogos. Passa bem, chuta bem, pensa bem. Mas falta-lhe tutano, espírito de liderança. Não raramente, cai em vales de depressão em quadra. No Paraná/ Carapicuíba, muitas vezes precisa ser "despertada" pelas irmãs.
Uma delas, a veloz Silvinha, outro nome certo em Sydney, tem como defeito exatamente essa qualidade: o termostato. Capaz de levantar seu time com investidas fulminantes, constantemente se perde na execução de lances ensaiados. Tem o biótipo de armadora, mas seu jogo é de ala.
Claudinha, que divide seu ano entre Osasco e Detroit, aparenta ser a mais talentosa, mas ainda está aprendendo o basquete. Com frequência, precipita-se nos arremessos -e não sabe arremessar (força os braços e não usa o tronco, numa contorção corporal às vezes excruciante).
Paula, que ao longo de 24 anos maravilhou ginásios distribuindo presentes na forma de assistências, desta vez não passou a bola. Ela está pingando, à espera.

NOTAS

Aposentadoria 1
Paula promete se engajar ao lado da irmã Branca, 34, num projeto de fomento ao basquete na região de Campinas. Descontando o discurso "social", que quase sempre não passa de conversa para boi dormir, trata-se de iniciativa animadora.

Aposentadoria 2
Por falar em Branca, ela foi bem em sua primeira experiência como comentarista, no Paulista 99/00, na ESPN Brasil.

Aposentadoria 3
O país tem mais o que fazer, mas a CBB não: deveria se sentir obrigada a promover uma homenagem a Paula. A entidade, porém, ingrata, já deixou Hortência e Oscar na fila.

Aposentadoria 4
A maior contribuição ao basquete, as irmãs Gonçalves da Silva vão dar se mantiverem a atitude inconformada e contestadora de suas carreiras. Nariz empinado e pés no chão!

E-mail melk@uol.com.br


Melchiades Filho escreve às terças- feiras


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