São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 2006

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SONINHA

Uma ciência exata?

Os números não mentem, mas também não provam nada. Além disso, eles podem confundir um bocado

O TIME da casa marcou quatro gols, três dos quais foram belíssimos. Quem só assistiu à partida de domingo contra o Juventude pode ter pensado: "Esse ataque do Fortaleza é um espetáculo!". Não é -é o segundo pior, só perdendo para o Flamengo (um tem 19, o outro tem 15 gols marcados). O artilheiro do Fortaleza, Finazzi, fez quatro gols no campeonato todo; o artilheiro do torneio, Dodô, tem só nove gols -não joga há cinco semanas e, a menos que mude de idéia mais uma vez nessa sua vida cigana, não fará mais gol aqui neste ano, já que está nos Emirados Árabes. A tabela de artilheiros inclui um goleiro que já se acostumou a superar as marcas de vários jogadores de linha. Aliás, acaba de superar o número de gols marcados por qualquer outro goleiro no mundo. Na função que de fato lhe cabe, também é destaque -anteontem mesmo fez defesas espetaculares. (Assim como o goleiro adversário, com muito menos tempo de carreira do que ele e já convocado, com méritos, para a seleção. O goleiro recordista teve algumas chances de jogar pelo Brasil, mas nunca teve tanto destaque lá). Rogério Ceni tem quatro gols feitos. Abaixo dele, um atacante com números decepcionantes: em dez jogos pelo Brasileiro, só marcou três gols. Como um time que almeja o título pode confiar num jogador com tão baixo aproveitamento? Mas esse atacante é aquele que fez dois gols no jogo de ida na final da Libertadores, na casa do rival, tendo participação decisiva na conquista da taça. A média de gols deste Brasileiro é a pior dos últimos 11 anos. Culpa dos esquemas táticos cautelosos ou covardes, dirão alguns. Falta qualidade aos atacantes, dirão outros. Os mais otimistas podem até dizer que as defesas têm funcionado muito bem, como a da Itália campeã (de uma Copa magra de gols...). Há exagero nas três explicações (se é que alguém recorre à última) e outros elementos a serem considerados -até acidentes como o que afastou Nilmar dos gramados. O fato de ninguém disparar na artilharia pode ser conseqüência de ataques mais solidários, em que um atleta não detém sozinho a responsabilidade de fazer gols. O Paraná, por exemplo, atual segundo colocado (com um jogo a menos do que a maioria, como efeito colateral da Libertadores), ostenta o melhor ataque (31 gols) e não tem um grande goleador. O Figueirense, em sétimo e dono do quinto melhor ataque, vê três atletas entre os sete que mais marcaram: Cícero (oito) e Soares e Schwenck (sete gols cada um). Os números magros também podem se basear, em parte, no fato de haver tantas mudanças nos times. Além do artilheiro do campeonato, vários outros jogadores foram embora e alguns estão prestes a deixar o país, como o próprio Rafael Sobis, citado acima. Outros chegam na metade da competição e, mesmo que não demorem para se acertar com os novos times, ficam para trás na disputa pela artilharia. A necessidade permanente de reorganização das equipes também ajuda a explicar a escassez coletiva. A intensa migração, característica de um mundo tão desigual -e assunto da moda- é um dos fatores que interferem no futebol. Já nos acostumamos a ver o campeonato dividido em AJ e DJ -antes e depois da janela de contratações na Europa. O incrível é que o movimento de profissionais é, ao mesmo tempo, sinal da qualidade dos jogadores e dos problemas de nossa gestão, incapaz de fazer frente à sedução do mercado externo -incluindo praças que jamais deveriam ser mais atraentes do que o Brasil, como Coréias e Ucrânias. Com todos esses dados negativos e complexos, o Campeonato Brasileiro, quem diria, continua sendo um torneio muito interessante (eu adoro). Nós somos um fenômeno.

soninha.folha@uol.com.br


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