São Paulo, Domingo, 22 de Agosto de 1999
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TOSTÃO
Mudança de vida

Nada é mais difícil do que mudar de residência e de vida. Estou saindo de um apartamento seguro, cercado de todas as necessidades imediatas, para morar em uma casa distante, sem esses recursos.
É evidente que existem vantagens nessa troca. Não sou masoquista, e ainda não apagou em mim a busca de novos prazeres, mesmo que sejam uma ilusão e eu me arrependa mais tarde. Vou morar fora da cidade, junto de uma imensa e bela mata, de um riacho, com seu leve som musical, e de pequenos animais. Tudo que sonhei um dia: casa, natureza, silêncio, livros e companhia de poucas pessoas queridas. Espero que elas não achem o local tão longe e que apareçam com bastante frequência.
Pretendo me ausentar do trabalho na televisão por uns tempos. Há cinco anos, viajo quase todas as semanas e estou cansado. Talvez, esteja ficando velho. Ao mesmo tempo que o trabalho na TV me alegra, envaidece e me remunera muito bem, sinto-me ansioso e tímido diante das câmeras.
Vou tirar férias dos aeroportos. Estou enjoado da comida de avião. Nunca consigo abrir aquelas "marmitinhas" sem derrubar na roupa. Andei sonhando com as belas aeromoças e com suas instruções de segurança. Se houver qualquer problema no avião, quem vai abrir a porta de emergência, já que ninguém presta atenção nas instruções?
Não aguento mais dormir em hotéis, mesmo confortáveis e sendo bem recebido. Sinto falta de meu quarto, meus fantasmas e meu travesseiro. Por que os hotéis não têm travesseiros mais anatômicos? Já pensei em viajar com o meu, mas, como ele é grande, suspeitarão que tive um trauma de infância.
Quando viajo, não consigo dispensar bons restaurantes. São uma tentação, mas preciso cuidar de minha saúde, tomar regularmente meu remédio, emagrecer e andar diariamente pelos verdes caminhos perto de minha nova casa.
Quero também escrever mais, refletir, estudar novamente filosofia e psicanálise e namorar com mais frequência. Tenho muitos planos para pouco tempo e uma preguiça intermitente, que não me deixa correr mais rápido atrás de meus desejos.
Pretendo ainda reler meus autores preferidos, Rubem Braga, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Carlos Drummond Andrade, Manoel de Barros, Adélia Prado e outros, aproveitando o silêncio e a natureza. Meus filhos me deram um livro de crônicas do João Ubaldo Ribeiro, que há muito tempo não lia, e estou adorando. Eles disseram que é para eu esquecer minha obsessão pela Clarice Lispector.
Como é difícil decidir quais objetos vou levar na mudança! Quero ser prático, carregar somente aquilo que vou usar, mas não consigo abandonar velhos objetos. Todos têm uma história afetiva.
Tenho medo de gostar da nova vida e não sair de casa. Sou pouco sociável. Ao contrário do que falam os jogadores, não estou preparado para essa mudança, mas vou tentar. "Quem não arrisca, não petisca".

Diferenças

Ronaldinho, do Grêmio, precisa ter muito cuidado, ser bem orientado, para não cometer os mesmos erros de seu xará mais velho.
Ao contrário do outro, ele precisa conciliar melhor sua vida de atleta profissional com a de uma estrela. Isso é mais difícil do que dar um passe, um drible desconcertante, um chute em curva e bater uma falta com precisão.
Ao contrário do outro, ele precisa saber que no momento em que se desconcentrar nos treinos e jogos e reduzir o tempo de treinamento, seu rendimento vai piorar.
Ao contrário do outro, ele precisa aprender a dizer não para inúmeros convites, pessoais e comerciais, não ser tão dependente dos empresários se quiser ter vida longa e de qualidade nos gramados.
Ao contrário do outro, não precisa chamar a imprensa quando for ajudar os pobres, comprar uma Ferrari, satisfazer seus sonhos de consumo -os quais tem todo direito.
Ao contrário do outro, ele precisa ser um cidadão, preservar sua intimidade, seus namoros, e não ser apenas um ídolo, uma mercadoria e uma curiosidade pública. Depois, não poderá reclamar da falta de paz.
Ao contrário do outro, não precisa dar preferência a nenhum órgão de imprensa.
Assim como o outro, ele precisa mostrar que é um excepcional jogador.

Em Ponte Preta 0 x 0 Guarani, os times cometeram 105 faltas, conforme informou o Datafolha. Uma calamidade. A média atual, de 58,4 faltas por partida, é o recorde dos últimos 14 Campeonatos Brasileiros. Grêmio 0 x 0 Vasco -um jogo tão esperado- foi uma triste partida, pobre de futebol, com excessos de faltas e de dura marcação.
Dentro dos critérios de privilegiar jogadores pré-olímpicos para a reserva, gostei da convocação da seleção para os amistosos contra a Argentina. Ficaram algumas dúvidas: Serginho foi punido? Por que Silvinho, e não Athirson, já que o jogador do Flamengo tem idade olímpica? Depois de tantos elogios do treinador, por que Evanílson não foi chamado?


Tostão escreve aos domingos e às quartas-feiras

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