São Paulo, sábado, 22 de setembro de 2001

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MOTOR

Sangue

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Sempre achei absurdo aquele lençol que a F-1 usa para evitar imagens chocantes dos acidentes. Considerava aquilo censura, cerceamento, questões normalmente caras ao jornalismo.
Pois senti falta do tal pano na última corrida da Indy. As imagens do resgate a Zanardi embrulham o estômago. Talvez nem tanto para os que assistiram ao vivo, sem a informação de ele tivera as duas pernas amputadas. Rever as imagens sabendo disso, porém, é um exercício mórbido.
É possível perceber que a mutilação de Zanardi ocorre já no choque. A parte da frente do cockpit se desintegra e, com ela, vai também o que abrigava. Um dos médicos gasta rolos de ataduras nas pernas do piloto e, em dado momento, desiste. Outro chega com um cobertor e as envolve, pois não há curativo possível.
O sangue se espalha pelo asfalto e, a despeito do quadro trágico, os carros passam em comboio para completar uma corrida que nem deveria ter começado, dado a falta de familiarização dos pilotos com a pista e os poucos treinos.
Acidentes como esse chocam pelos detalhes. Mas resgatam, de certa forma, uma certa humanidade que é negada à figura do piloto. O chamado herói das pistas de repente se torna uma pessoa normal, de carne, osso, sangue. A competição perde o glamour, se havia algum, e escancara seu lado inútil, estúpido, gratuito.
E se se assume mortal, mesmo que por instantes, é natural que o piloto tenha reações legitimamente humanas. Schumacher, no dia seguinte ao acidente de Zanardi, teve uma, básica, banal. Do alto de seus quatro títulos mundiais, tentou costurar um pacto de cavalheiros para que, principalmente nas duas primeiras chicanes, os pilotos se respeitassem e não ultrapassassem.
O gesto, se bem-sucedido, seria um eficiente tapa na cara da cartolagem, que nada fez em Monza para evitar a repetição do acidente que matou um bombeiro na edição do ano passado. Começar uma corrida de F-1 neutralizada pelos próprios pilotos seria, de fato, um evento histórico, como foram as tímidas greves do passado.
O problema é que o alemão não faz o tipo aglutinador, pelo contrário. Sua lista de desafetos é enorme, e seu comportamento na pista, todos sabem, está longe de ser polido. Villeneuve nunca passaria esse recibo, e alguns outros pilotos foram obrigados pelas equipes a não concordar com o protesto. Schumacher ainda tentou um corpo-a-corpo no grid, que serviu apenas para as câmeras. Chegou a cogitar não participar da corrida, mas Montezemolo vetou. Decidiu então que não subiria ao pódio em hipótese alguma, até mesmo vencedor.
Disse ainda que não iria a Indianápolis. O veto, dessa vez, partiu de Ecclestone, que lembrou que ele só será declarado campeão quando receber o troféu da FIA, em Mônaco, no final do ano.
Enfim, Schumacher tentou bancar o sindicalista e se deu mal. Tentou usar seu peso de tetracampeão e foi rejeitado. Óbvio, houve uma certa dose de vaidade nisso. O principal, no entanto, é que não conseguiu romper com a atitude passiva que caracteriza o piloto profissional, com a rede de interesses que mantém o principal personagem do esporte cordeiro diante do risco da profissão.
Não será Schumacher a fazer a revolução. E, até que ela aconteça, se um dia acontecer, tragédias como a de Zanardi se repetirão.

Indianápolis
Schumacher à frente, muitas pessoas envolvidas com a F-1 temem se tornarem alvo do terrorismo no GP dos Estados Unidos, no próximo fim de semana. Quem conhece bem a história, porém, garante que a categoria tem uma espécie de salvo conduto para esse tipo de ocorrência e outras mais. De Ecclestone a Mosley, passando por alguns chefes de equipe, o trânsito de boa parte da turma nas chamadas regiões obscuras do planeta já foi muito grande no passado. E, dizem, altamente lucrativa.

Vestibular
A molecada foi às pistas nesta semana. Felipe Massa, campeão antecipado da F-3000 européia, foi bem no teste com a Sauber e já é cotado para a vaga em aberto no time em 2002 -dizem, também, que já tem contrato assinado com a Ferrari. Ricardo Sperafico e Antonio Pizzonia se digladiaram em torno de uma vaga para testes na Williams no ano que vem. A de titular continua distante.

E-mail: mariante@uol.com.br


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