São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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FUTEBOL

O técnico, o barco e o nevoeiro

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e o coordenador Antônio Lopes definiram, antes da escolha, o perfil do novo técnico.
Ele seria sereno, discreto, "light", pouco vaidoso, de fácil diálogo e capaz de, diante do nevoeiro, levar o barco com tranquilidade e devagar, como diz o belo samba do Paulinho da Viola.
Escolheram o oposto. Tá legal, eu aceito o argumento de que, no campo, Emerson Leão é um excelente técnico, mas a rapaziada está sentindo falta da simplicidade, alegria e beleza no futebol brasileiro.
Leão é muito vaidoso (todos somos), mas, ao contrário do Luxemburgo, é franco e tem senso crítico. Não parece ser. É. Ele fala o que os outros não querem ouvir. Essa mistura de prepotência, personalidade e franqueza poderá ocasionar problemas no seu relacionamento com jogadores, imprensa e torcedores.
O que muitas vezes desagrada no discurso do técnico não são suas palavras. É a maneira como ele fala. Pelas características do novo treinador, o coordenador se tornará um diretor, um gerente, e não um consultor técnico.
Esse foi mais um dos motivos de minha recusa ao cargo, depois de ter recebido convite de Ricardo Teixeira. Os técnicos não querem dialogar nem diminuir seus poderes. Eu seria um péssimo burocrata. Gosto da parte técnica e humana do futebol.
Em campo, Leão é um dos poucos treinadores que saem da mesmice. Seus times são organizados e ousados.
Se a equipe ganhar, brilhar e o barco navegar sem turbulências até o porto, serão toleradas a vaidade, a pose, o terno e a gravata, símbolos do anterior e atual técnicos.
Caso contrário, o barco naufraga e não se salva ninguém.
A troca excessiva de jogadores foi a principal causa das más atuações da seleção brasileira nos últimos anos.
Foram dois anos perdidos com Wanderley Luxemburgo. O mesmo aconteceu nos quatro anos de preparação para a Copa de 1998. Falta um ano e sete meses para o início do Mundial de 2002. A mesma indefinição não poderá ser repetida.
Poucos jogadores brasileiros são, hoje, reconhecidamente, os melhores em suas posições. Talvez Cafu (não existe um bom reserva), Vampeta e Romário. Acrescentaria Rivaldo e Roberto Carlos (sem a máscara).
Nas outras posições e na reserva existe um equilíbrio. Se o novo técnico convocar e escalar os melhores da semana, não formará um conjunto. Deveria trocar o mínimo possível.
Não temos mais tantos craques. Para vencer a próxima Copa, Leão tem de formar um time e definir uma estratégia.
Do contrário, será outra decepção.
Pelé completa 60 anos amanhã. Um sexagenário! Parece que tem 50. Os ídolos e mitos demoram, mas também envelhecem e morrem. Suas obras são eternas.
Os jovens que apenas viram gols esporádicos de Pelé no Santos e na seleção não imaginam o fenômeno que ele foi.
Ele brincava em campo, com responsabilidade. Unia a fantasia com a técnica, habilidade, criatividade e uma excepcional capacidade física.
Era guerreiro e ambicioso, como os grandes vencedores.
Antes de a bola chegar, me sinalizava, com o olhar, seus movimentos e onde queria recebê-la. É a comunicação analógica e intuitiva. Muito mais rica que a digital e por palavras.
Desde os 16 anos, Pelé não parou de jogar e viajar. Quase não treinava. Seu talento era natural. Nasceu Rei e nunca mais perdeu a coroa.
A natureza deu a ele quase tudo. Ele fez sua parte. Jogava com alegria e garra.
Pelé tinha consciência de que era, disparado, o melhor jogador do mundo, mas que não ganhava as partidas sozinho.
"A humildade não é o desconhecimento do que somos, mas o conhecimento e reconhecimento do que não somos".
O Rei sempre me pareceu feliz em ser o Pelé. Parece óbvio, mas não é. Pelo contrário.
Com o tempo, as pessoas muito famosas sentem-se enfastiadas e intranquilas com a curiosidade pública. Não estão preparadas para a glória.
Pelé é uma exceção. Está sempre com um largo e espontâneo sorriso. Ele e o Edson se entendem e se admiram.
Assim como Bach na música, Van Gogh na pintura, Shakespeare no teatro, Charles Chaplin no cinema, Clarice Lispector na literatura, Fernando Pessoa e Carlos Drumond Andrade na poesia e muitos outros, Pelé ficará imortalizado como o maior gênio do futebol.
Um eterno Rei!

E-mail: tostao.folha@uol.com.br


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