São Paulo, quarta-feira, 22 de dezembro de 2004

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Nosso amigo Vandeco (mas nunca da Silva)

Colegas desvendam cotidiano e revelam quem é, o que pensa e como vive o treinador que reina soberano no futebol do Brasil

EDUARDO ARRUDA
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Não há truque. As fotos aí de cima retratam a mesma pessoa.
É o Wanderley Luxemburgo da Silva que usava penteado black power, guiava um carcomido fusca e comandava o modesto Campo Grande, equipe do Rio, no Campeonato Brasileiro de 1983.
É também o Vanderlei Luxemburgo da Silva que alterou letras no nome por decisão judicial, domou os cabelos, comprou carro importado e estendeu, no último domingo, sua hegemonia como treinador mais vitorioso no principal torneio de futebol do país.
O hiato entre as duas figuras tem mais de 20 anos. Época em que teve a honestidade posta em dúvida pela opinião pública e a vida devassada por CPIs no Congresso. Ao mesmo tempo, encheu a prateleira de troféus.
Em todo este período, contudo, manteve inalteradas velhas idiossincrasias, que a Folha procurou mapear escutando não o técnico, mas seus amigos, e vasculhando seus ambientes favoritos.
A própria forma de tratamento revela parte de sua personalidade. Ele acolhe bem alguns apelidos (sua mulher, Josefa, o chama de "Preto"; alguns amigos preferem "Vandeco"). Basta, porém, citar o sobrenome para tirá-lo do sério.
"Eu brincava: "Você é da família de esportistas ilustres, os Silva. Só que um virou Luxemburgo e o outro, Ayrton Senna". Ele ficava doido", conta Marco Aurélio Cunha, superintendente de futebol do São Paulo, que trabalhou com o técnico em 1997, no Santos.
Se rejeita o "da Silva", jamais negou um rótulo sempre associado à sua imagem: a vaidade. No começo da profissão, mesmo sem dinheiro, "já tinha pose de Mauricinho", relatou Humberto Costa, ex-gandula do Campo Grande.
O armário ficou bem mais atulhado após os cinco títulos do Nacional. Hoje, abriga dezenas de ternos -de preferência Ricardo Almeida, Armani ou Versace-, muitos deles envergados em pleno campo, durante os jogos.
Os relógios, os sapatos e até a armação dos óculos são sempre escolhidas a dedo. "É um cara que gosta de ver vitrine. Se despertar seu interesse, ele compra", relatou seu amigo Marcoletti Siqueira.
O requinte contaminou outros hábitos. Em São Paulo, visita a cada 15 dias o salão de Edson Nunes. Desde 1996, é lá que ele trata do cabelo -o corte sai por R$ 95.
Para conservar um "estilo clássico", o técnico de 52 anos recebe aplicação de um creme inglês na carapinha. "Para não ficar duro e manter hidratado", conta Nunes.
Na capital, também gosta de se divertir com jogos de azar. Freqüenta, quase que semanalmente, o Bingo Imperador, em Perdizes.
Funcionários da casa relatam que Luxemburgo perde repetidamente. Só triunfou em duas apostas até hoje, uma de R$ 1.000 e outra de R$ 4.000. Fica no local entre uma hora e 1h30min e aposta uma cartela, de R$ 0,50, ou no computador, com seis cartelas (R$ 3).
Sempre capricha nas gorjetas, mesma mania que segue no seu lugar favorito em Santos, o Armazém 29, misto de bar e restaurante onde encontra seus convivas.
Ele não tem mesa própria. Filé de badejo é o prato predileto (sai por R$ 29), acompanhado de cerveja. Gratifica os empregados da casa com uma caixinha de R$ 100.
Outra característica que atravessou os anos é a superstição. Pedir conselhos à espiritualistas sempre foi uma constante.
Tudo começou em casa. "Já fiz muito trabalho para ele", contou em 1998 a irmã e mãe-de-santo Leocádia, que o auxiliou no início dos anos 80. Depois, de 1988 a 1998, Luxemburgo mudou de parceiro e passou a conviver com Robério de Ogum. "Ele só entrava em campo com o mesmo tipo de camisa, só sentava ao meu lado nas viagens. Formamos um time vitorioso", disse o espiritualista.
Apesar de não trabalharem mais juntos, Robério ainda mantém vínculos com o treinador.
Um deles está em Itupeva, no interior de São Paulo. No final da década de 80, Luxemburgo adquiriu uma égua manga-larga branca. Batizou-a com um diminutivo do próprio nome -chama-a de "Luxa". "É do Vanderlei, mas eu cuido. Dou ração, faço tudo. Às vezes, ele aparece e pergunta: "E aí, como está a Luxa?'"


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