São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Salva-vidas

Um ano após terremoto, Haiti sofre com falta de campos e vê futebol sumir aos poucos

MARCEL MERGUIZO
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

Os campos de futebol salvaram vidas no Haiti. Literalmente, pois na tarde de 12 de janeiro de 2010, quando um terremoto devastou o país mais pobre das Américas, muitos jogavam futebol e escaparam da tragédia.
Um ano depois, vê-se na capital Porto Príncipe os campos servindo de acampamento para os cerca de 810 mil desabrigados que sobrevivem no país caribenho.
Um dos maiores chama-se Parque da Paz e fica em Bel Air, um dos bairros mais pobres, mais populosos e mais destruídos pelo terremoto.
Do alto de um prédio em ruínas, há apenas dois resquícios do que já foi o local de treinos e jogos do time do Aigle Noir (Águia Negra): uma das balizas em meio às cerca de mil barracas e parte da arquibancada, cercada por arame farpado.
"O maior problema não é a fome, mas sim a falta campos", afirma o presidente da Federação Haitiana de Futebol, Yves Jean-Bart.
E essa é apenas mais uma das dificuldades que o brasileiro Edson Tavares, 54, enfrenta como treinador da seleção do Haiti desde agosto.
"Eu me pergunto: como eles ainda conseguem jogar se fazem apenas uma refeição por dia? É assim com a maior parte da população. E eles treinam. Onde? Aterro do Flamengo é Maracanã para eles. O que tinha foi destruído, e olha que não tinha muito", afirma Tavares.
Ele passou agosto e setembro de 2010 no Haiti e retornou ao país nesta semana.
Já Jean-Bart se conforma com o drama: "Comer uma vez por dia é suficiente. Não é para ser superatleta, mas para jogar...", fala o dirigente.
Ele aposta no brasileiro, que, com ele, estava nesta semana negociando um novo contrato de patrocínio com uma operadora de telefonia celular em Porto Príncipe.
Ex-jogador e treinador de clubes pequenos da Europa e da Ásia, incluindo passagens pelas seleções da Jordânia e do Vietnã, Tavares foi convidado graças à ligação da federação haitiana com a ONG Viva Rio, que atua no Haiti e apoia o futebol no país.
O brasileiro aceitou o convite e voltou a viver no Rio com a família. O salário de US$ 10 mil (R$ 17 mil) é pago metade pela Viva Rio e metade com o repasse que a Fifa dá às federações nacionais.
No caso do Haiti, são US$ 250 mil (R$ 425 mil) por ano.
A Fifa vai inaugurar um centro de treinamento com capacidade para abrigar 170 atletas em Croix-des-Bouquets, nas proximidades de Porto Príncipe. A previsão de entrega é março ou abril.
O projeto tem instalações incomparáveis com a realidade haitiana. Sala de musculação, piscina, três campos e outras mordomias serão apresentadas aos atletas das seleções masculina e feminina, acostumados a campos que nem vestiário têm.
E, se têm, não há água, como no estádio Sylvio Cator, o único da capital e onde o Brasil venceu o Haiti [6 a 0] no Jogo da Paz, em 2004.
Outro centro destinado ao futebol [o Pérolas Negras] será inaugurado pela Viva Rio nesta semana na região de Bon Repos e terá capacidade para 96 jogadores. O objetivo principal é revelar atletas.
"Estrutura? Pode excluir essa palavra do dicionário haitiano. Tem um estádio, e só. É várzea. É a pior estrutura de todos os lugares em que trabalhei", declara Tavares.
O treinador recorre a jogadores de fora do país para ter seleção. Dos 27 pré-convocados para o amistoso contra El Salvador, no dia 9, 11 jogam no país e 16 no exterior. Calcula-se que haja 68 haitianos fora, mas muitos desertores.
Enquanto isso, na Porto Príncipe sem campos, o futebol sumiu até das ruas.
Sem energia elétrica ou em razão do esgoto nas calçadas, as crianças brincam menos com a bola. Outro desastre que o terremoto agravou.
O jornalista MARCEL MERGUIZO viaja a convite da Jornada Haitiana do Esporte pela Paz

FOLHA.com
Veja mais fotos do futebol no Haiti
folha.com/110214


Texto Anterior: Painel FC
Próximo Texto: Messi e Kaká viram pinturas pela cidade
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.