São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 1999

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Dom Pedro 1º e o Rio-São Paulo

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas

O Rio-São Paulo que começa hoje é uma das mais velhas guerras do futebol nacional. Pode-se dizer que ele é o avô do Campeonato Brasileiro. Quando foi disputado pela primeira vez, em 1933, os jogadores usavam touquinhas na cabeça, e o goleiro tirava a foto deitado na frente dos companheiros segurando uma bola de capotão. Naquele longínquo campeonato, o vencedor foi o Palestra Itália. Mas o Santos é o maior detentor de troféus: cinco. Até hoje, na contagem geral de títulos, os paulistas têm 15, e os cariocas, nove.
Depois daquele primeiro torneio em 33, o campeonato só voltou a ser disputado em 1950, seguindo firme até 66. Ele acabaria no ano seguinte, quando passou a contar com times mineiros, paranaenses e gaúchos e virou o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, que, por sua vez, em 71, transformar-se-ia no Campeonato Brasileiro.
Hoje, esse ilustre vovô é apenas um aquecimento para a temporada, uma oportunidade para os times testarem reservas, repatriados, recém-saídos do departamento médico, juniores e novas aquisições.
A rivalidade é a alma dessa competição, e para usar um lugar comum direi que sua origem se perde na noite dos tempos. Até Dom Pedro 1º fez parte dela.
Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, seu famoso secretário, conta que, quando conheceu o futuro imperador, ele estava vestido à moda dos paulistas, "com um capotão axadrezado e gola alta", escondendo o rosto. O Chalaça era então um violeiro que fazia glosas ao lado de um negro chamado José Januário. Este último se aproximou de Dom Pedro e, sem saber de quem se tratava, cantou:
"Paulista é pássaro bisnau,
sem fé, sem coração;
é gente que se leva a pau,
a sopapo ou pescoção".
Diz a lenda que o príncipe, um carioca por adoção, ficou tão ofendido em ser chamado de paulista que deixou o bar em pedaços.
De lá para cá, a rivalidade só se acentuou, principalmente depois que a industrialização paulista ensombreceu o brilho que o Rio de Janeiro gozava desde que se tornou capital da colônia, em 1763.
Hoje, o Rio já não é exatamente uma cidade maravilhosa nem São Paulo amanhece trabalhando. A especulação imobiliária tirou um bom tanto do charme carioca, e os paulistanos estão desempregados.
A guerra de orgulhos já não tem mais tantos motivos. Mas hábitos centenários são difíceis de perder, e a rixa persiste. É ela que dá sabor a qualquer jogo de um time paulista contra um carioca. Como santista, posso dar fé que ganhar de um Flamengo ou de um Botafogo chega a ser quase tão bom quanto derrotar um Palmeiras ou um São Paulo.
Nessa guerra da cigarra contra a formiga, da praia contra o restaurante, do açaí contra a pizza, do erre aspirado contra o ôrra meu, aposto em Santos e Corinthians, entre os paulistas, e no Vasco da Gama, há algum tempo o único apostável entre os cariocas.
E por fim, em resposta à quadrilha de José Januário, ofereço a seguinte:
"Futebol no Rio é brincadeira,
é uma bagunça de dar dó,
tem time na terceira
e campeão por WO".
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José Roberto Torero escreve às terças-feiras e aos sábados
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E-mail: torero@uol.com.br



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