São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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Sotaque estrangeiro embala sonho da China

Técnicos forasteiros superam adversidades para transformar esporte do país

Anfitriões da Olimpíada querem vencer os Jogos e, para atingir meta, colocam garantia de medalhas até em cláusulas de contrato


MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A comunicação se resume a monossílabos e gestos, a comida nem sempre é possível reconhecer, familiares e amigos aparecem apenas em frias mensagens de computador, sua casa é um pequeno quarto.
O norte-americano Michael Bastian estava preparado para o choque cultural e a solidão quando assumiu a missão de levar o softbol da China ao pódio na Olimpíada de Pequim.
Parece tirar de letra até os cardápios exóticos que se tornaram rotina. Ainda sofre, porém, quando assiste a suas atletas durante os treinamentos.
"Minha vida é um pouco frustrante. A China tem boas jogadoras, mas elas só sabem obedecer ordens, memorizar, não há espaço para o improviso", disse o treinador à Folha.
Os chineses não querem desperdiçar chances de conquistar medalhas. Para isso, foram buscar reforços em todos os cantos do planeta. Anfitriões, terão vaga em todas as modalidades dos Jogos, em agosto.
Como Bastian, dezenas de técnicos chegaram ao país nos últimos anos com a missão de levar a China ao topo do quadro de medalhas. A meta, muitas vezes, está no contrato.
Em Atenas-2004, a delegação ganhou 32 ouros, contra 36 dos norte-americanos.
"A experiência internacional é muito importante para preparar as equipes", avalia Zhou Jing, porta-voz do Comitê Olímpico Chinês, que já contratou mais de 40 forasteiros.
Alguns herdaram equipes em crise e missões ingratas.
O australiano Tom Maher, por exemplo, tenta recuperar a seleção feminina de basquete após o nono lugar na Grécia.
"Foi supercomplicado. Na mídia, elas eram tratadas como estrelas, mas não jogavam para isso. Foi difícil começarem a pensar como eu. Tenho muito carinho por elas", afirmou.
Uma das principais dificuldades do australiano foi ensiná-las a não perder a bola.
"Muitos têm isso naturalmente, sabem usar o corpo para tirar vantagem, não pensam sobre como fazer", falou ele, que vê um quarto lugar como previsão realista em Pequim.
Até o Japão, histórico rival político, cedeu armas aos chineses. Masayo Imura, "mãe" do nado sincronizado japonês, assumiu a seleção local.
Nome reconhecido da modalidade -introduziu elementos de caratê e pantomina (mímica) nas coreografias-, Masayo se surpreendeu com a dedicação das discípulas.
"Elas não reclamam de nada, repetem e repetem. São mais constantes que as japonesas. Estão ávidas por uma medalha, não importa a cor", contou.
No Mundial do ano passado, ficaram em quarto lugar.
Masayo, no entanto, espera resultados para além das piscinas. Acredita que o intercâmbio possa ajudar a melhorar as relações entre os dois países. "Eu quero ajudar a fazer do nado sincronizado asiático o melhor do mundo."
Obter bons resultados, no entanto, não basta. Os estrangeiros precisam atender às aspirações do governo chinês.
Com alguns, há mais boa vontade. Para outros, uma coleção de medalhas de prata pode ser um fracasso retumbante. Muitos técnicos têm contratos em que garantem os prêmios
"Ao menos um ouro ou não terei feito nada. Está escrito", afirmou o francês Christian Bauer, da esgrima.
A primeira dificuldade de Bauer foi convencer os chineses a atacar. Os atletas sempre preferiam se defender.
Depois, amargou vigilância e desconfiança sobre seu trabalho. Os dirigentes só acreditaram de fato em sua capacidade quando seus comandados levaram todos os ouros dos Jogos Asiáticos de 2006. Nunca mais foi incomodado.
A cobrança nem sempre é confortável. Mas, para os treinadores estrangeiros, apesar da vigilância, do trabalho árduo e da solidão, vale a pena investir no projeto chinês.
"Já comi coisas tão bizarras que nem sei dizer o que eram. Viajei por várias cidades da China, conheci muita gente, mas às vezes me vejo sozinho aqui, sem saber como me comunicar", relatou Bastian.
"Eu sinto muita pressão. Mas é uma pressão muito boa."


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