São Paulo, domingo, 23 de abril de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Próximo Texto | Índice

'Tudo depende de empreendimento público', diz Samaranch
Esporte = governo, na equação do COI

Associated Press
Pessoas em Sion, na Suiça, observam o espanhol Juan Antonio Samaranch anunciar Turim como sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2006



A um ano do retiro, dirigente analisa, a pedido da Folha, as duas décadas em que esteve no comando do Movimento Olímpico


ROBERTO DIAS
Editor-assistente de Esporte

Na era da TV, das parcerias, das ligas independentes e dos clubes-empresa, uma voz importante defende que esporte é, antes de mais nada, assunto de Estado.
O dono de tal opinião é ninguém menos que Juan Antonio Samaranch, presidente do Comitê Olímpico Internacional, entidade que congrega cerca de 200 países e é responsável pela realização dos Jogos Olímpicos.
Sem renegar personagens cada vez mais importantes do cenário esportivo -como as televisões, que, em sua gestão, só fizeram, multiplicar os rendimentos do COI-, o dirigente diz que os governos deveriam dar mais atenção ao esporte em geral.
"Tudo depende de empreendimentos públicos. É preciso uma maior intervenção do governo no esporte. É um setor muito importante em qualquer política de educação que se queira fazer."
Por causa dessa opinião, diz ele, sempre que possível cobra das autoridades posicionamento em relação ao assunto.
"Nesse tempo à frente do comitê, tive a oportunidade de encontrar muitos chefes de Estado. E sempre pergunto para eles: "Como o senhor vê o futuro do esporte'? E a resposta sempre é: "O esporte vai ser, cada vez mais, um dos pontos mais importantes da sociedade'", afirma o dirigente.
Da sede do COI, em Lausanne (Suíça), Samaranch, sétimo presidente dos quase 106 anos da história do comitê, concedeu entrevista à Folha, por telefone.
Às portas de sua última Olimpíada -ele deixa o cargo no ano que vem, após 21 anos no comando-, o dirigente vivenciou uma era de fausto para o esporte.
Durante sua gestão, o valor dos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos pulou de US$ 101 milhões (Moscou-80) para US$ 1,7 bilhão (valor negociado para a edição de 2008, em local ainda a ser definido).
Boicotes políticos, o grande fantasma do início de sua gestão, em 1980, não mais ameaçam.
Tamanha riqueza e sucesso, no entanto, não lhe trouxeram somente glórias. E muito menos tranquilidade.
No ano passado, quando sua gestão parecia caminhar para um final sem acidentes, o Movimento Olímpico conheceu o maior escândalo de sua história. Casos de suborno e favorecimentos levaram à expulsão e à renúncia de alguns dos membros do comitê.
Além desse problema, até certo ponto inesperado, outro, tão inexorável quanto, também paira sobre o comitê.
É o doping. Desde o caso do velocista canadense Ben Johnson, em Seul-88, o assunto ganhou as manchetes dos jornais -para não mais sair de lá.
Testes de sangue e exames-surpresa são as atuais armas, mas nenhuma deles promete resolver a questão. E, sem poder garantir, de fato, a lisura dos Jogos, o COI vê suspeitas serem levantadas a cada medalha que distribui.
Problemas que vão ficar para o sucessor de Samaranch, um nome ainda nebuloso em meio a uma montanha de candidatos, nenhum deles com o apoio, pelo menos até agora, do atual presidente do comitê.
A Samaranch, só resta agora zelar pelo sucesso de Sydney, uma Olimpíada que promete, como fizeram suas antecessoras, ser a maior e melhor da história.
Depois, será passar o cargo e se aposentar. "Já tenho idade para isso", diz ele, 79.
Vai, então, voltar para Barcelona, sua cidade natal -ele mudou-se para Lausanne para exercer, em tempo integral, a presidência do comitê.
Lá, se dedicará a escrever suas memórias. "Ainda não tenho o título", afirma o dirigente.
Além de seu futuro e de suas idéias para o esporte, Samaranch falou também, na entrevista à Folha, sobre o papel brasileiro no cenário olímpico hoje.
Só reservou elogios ao país.
"O Brasil teve um belo desempenho em Atlanta. Tem a sorte de ter um grande dirigente como (Carlos Arthur) Nuzman à frente do Comitê (Olímpico Brasileiro). É um dos melhores dirigentes da atualidade. Fez um ótimo trabalho no vôlei. E agora o Brasil vai organizar o encontro dos comitês nacionais, em maio. Vou estar aí, vai ser um prazer."
Samaranch falou também sobre as pretensões brasileiras de organizar uma Olimpíada -houve duas tentativas recentes, Brasília-2000 e Rio-2004.
Com a atual estrutura de financiamento, falta de dinheiro para fazer os Jogos, diz ele, não é mais problema.
"Gostaria muito de ver uma Olimpíada na América Latina. A última foi na Cidade do México. Agora, com o dinheiro da TV, é possível fazer os Jogos na América Latina. Cidades como o Rio ou São Paulo têm condições de concorrer aos Jogos."


Próximo Texto: Samaranch deixa dinheiro e escândalo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.