São Paulo, domingo, 23 de abril de 2000


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OLIMPÍADA
Denúncias de suborno ofuscam império financeiro que dirigente ergueu em 20 anos à frente do COI
Samaranch deixa dinheiro e escândalo

da Redação

Juan Antonio Samaranch vai deixar o Comitê Olímpico Internacional e um legado algo paradoxal para a história do esporte.
Com ele, acabaram os boicotes políticos aos Jogos. Nas suas mãos, a Olimpíada ganhou dimensão -sobretudo financeira- inimaginável. Sua habilidade para negociar aproximou dos Jogos atletas como os da NBA, a liga norte-americana profissional de basquete, antes imiscível com o olimpismo.
Tudo isso, no entanto, acabou ofuscado por um escândalo surgido quando ele já começava a se preparar para deixar o COI.
As seguidas denúncias de suborno de dirigentes do comitê durante a escolha de sedes olímpicas, que pipocaram no ano passado, macularam de forma inédita a imagem da entidade.
Ele suportou as pressões pela renúncia, vindas dos mais diferentes setores do esporte -e até de editoriais em alguns dos mais influentes jornais do mundo.
Hoje, refeito do tombo, já se permite alterar um pouco o discurso de "errei" ou de que "é nos erros que aprendemos". E aproveita até para ironizar, com elegância, seus críticos. (RD)

Folha - Que conclusão que o sr. tira de tudo o que aconteceu com o comitê no ano passado?
Juan Antonio Samaranch -
O caso era importante, mas não para ser motivo de manchetes e manchetes na imprensa durante semanas seguidas.
O que havia, no início, eram rumores de que alguns membros do comitê não estavam se comportando como deveriam. Quando apareceu algo concreto, tomamos atitudes imediatas.
O que descobrimos é que os Jogos Olímpicos são mais importantes até do que a gente mesmo pensava. O que aconteceu foi bom, também, porque queríamos fazer algumas reformas no comitê, que, sem a crise, não estávamos conseguindo realizar.

Folha - Uma das críticas feitas ao sr. é que o sr. saberia de todos os problemas há tempos, mas teria demorado demais para fazer alguma coisa.
Samaranch -
É o que eu lhe falei. Assim que apareceu algo concreto, tomamos atitude imediata.

Folha - Por que houve tamanha pressão por sua renúncia?
Samaranch -
Não sei. Penso que é normal ser criticado quando você ocupa uma função pública.
A crise, que teve origem na eleição que indicou a cidade norte-americana de Salt Lake City como sede dos Jogos de Inverno de 2002, ganhou, de fato, proporção à qual o Movimento Olímpico não estava acostumado.
Tanto que até o próprio Samaranch teve que dar explicações, pessoalmente, ao governo norte-americano, uma humilhação antes impensável ("não foi muito agradável", define).
"Os EUA são um país muito importante para o esporte. Eles nos pediram explicações, e então fomos a uma audiência, eu inclusive", justifica o dirigente.
Foi a habilidade política em situações como essa que fez com que Samaranch chegasse à presidência do COI antes do previsto. Escolhido para substituir Lord Killanin, cujo mandato expiraria em 1981, assumiu já no ano anterior, para ter mais tempo de levar a Los Angeles o bloco soviético, que acenava com boicote em retaliação à ausência dos EUA em 1980.
"Temos de trabalhar para que, em Los Angeles, realizem-se os Jogos da Conciliação", disse já em seu discurso de posse.
Tinha a seu favor o fato de ter acabado de ser embaixador espanhol em Moscou. Uma proximidade que lhe permitiu, por exemplo, conceder honras olímpicas a dois importantes líderes do bloco comunista, o romeno Nicolau Ceausescu e o alemão-oriental Erich Honecker.
Suas articulações, no entanto, não foram capazes de demover os soviéticos, que boicotaram os Jogos de 1984 -a aliança olímpica só seria refeita em Seul.
União, aliás, é uma palavra que encanta o dirigente. Na última quinta-feira, por exemplo, o comitê anunciou sua nova preocupação: unificar os esportes no mundo da Internet. Convocou até uma conferência para tratar exclusivamente do assunto, em Lausanne, em novembro.

Folha - Qual é o maior avanço do Movimento Olímpico nos 20 anos de sua gestão?
Samaranch -
Acho que foi o avanço da unidade do movimento olímpico, entre as federações, as confederações e o comitê.

Folha - Que pontos o sr. vê em comum entre sua gestão e a de João Havelange na Fifa (que durou de 1974 a 1998)?
Samaranch -
Havelange foi um maestro, me ajudou muito. Estava à frente da federação internacional mais importante de todas durante a maior parte do tempo em que eu estive no comitê.

Folha - Como será o futuro dos Jogos Olímpicos? Haverá mais ou menos esportes e atletas?
Samaranch -
É muito difícil dizer como será o futuro do esporte. A grande novidade dos últimos tempos foi a TV. Os Jogos Olímpicos de Roma, em 60, foram os primeiros que tiveram transmissão de verdade. Desde então, aumentou muito o dinheiro do esporte.

Folha - Quais são os maiores perigos que o sr. enxerga para o futuro do Movimento Olímpico?
Samaranch -
É a perda de unidade entre o comitê, as federações e as confederações. Não creio que vá acontecer. Levamos muito tempo para conseguir isso.
São poucas, de fato, as ameaças à vista para a unidade olímpica. Uma delas, no entanto, é especialmente séria: a do futebol.
Forte o suficiente para fazer frente ao COI, a Fifa nunca permitiu que o torneio olímpico reunisse as maiores estrelas do mundo.
Depois de muita negociação, Samaranch arrancou pelo menos uma concessão: cada seleção pode levar três jogadores acima de 23 anos, idade-limite dos Jogos.
No mês passado, em mais um capítulo da política de aproximação, prometeu a Joseph Blatter, da Fifa, que tentaria adequar a data de Atenas-2004 ao calendário do futebol. Mas está difícil: o comitê organizador já avisou que não vai encampar a proposta.
Coincidência ou não, na última quinta-feira, três dias depois do "aviso" grego, Samaranch veio a público com sérias ameaças aos organizadores -dizendo, inclusive, que atrasos no cronograma podem até fazer com que Atenas perca os Jogos.
Uma postura bem diferente, por exemplo, da que o dirigente adota em relação a Sydney, na Austrália, palco da próxima Olimpíada.

Folha - Qual é a principal vantagem que Sydney pode oferecer aos Jogos Olímpicos?
Samaranch -
Os Jogos serão num país que gosta muito de esporte e que está há muitos anos se preparando para a Olimpíada.

Folha - O que será feito diferente em Sydney em relação ao que ocorreu há quatro anos em Atlanta?
Samaranch -
Atlanta foi um sucesso, tivemos um público extraordinário. O maior problema lá foi a informática. Vocês jornalistas não ficaram muito contentes. Mas nos últimos dias o problema acabou sendo resolvido.

Folha - Na sua última visita à Austrália, o sr. criticou a imprensa local. Em sua opinião, por que existem tantas críticas à atuação do Comitê Organizador dos Jogos?
Samaranch -
A imprensa é crítica por natureza. Mas está tudo sendo feito normalmente, dentro do prazo estabelecido. (RD)


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