|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OLIMPÍADA
Denúncias de suborno ofuscam império financeiro que dirigente ergueu em 20 anos à frente do COI
Samaranch deixa dinheiro e escândalo
da Redação
Juan Antonio Samaranch vai
deixar o Comitê Olímpico Internacional e um legado algo paradoxal para a história do esporte.
Com ele, acabaram os boicotes
políticos aos Jogos. Nas suas
mãos, a Olimpíada ganhou dimensão -sobretudo financeira- inimaginável. Sua habilidade para negociar aproximou dos
Jogos atletas como os da NBA, a
liga norte-americana profissional
de basquete, antes imiscível com
o olimpismo.
Tudo isso, no entanto, acabou
ofuscado por um escândalo surgido quando ele já começava a se
preparar para deixar o COI.
As seguidas denúncias de suborno de dirigentes do comitê durante a escolha de sedes olímpicas, que pipocaram no ano passado, macularam de forma inédita a
imagem da entidade.
Ele suportou as pressões pela renúncia, vindas dos mais diferentes setores do esporte -e até de
editoriais em alguns dos mais influentes jornais do mundo.
Hoje, refeito do tombo, já se
permite alterar um pouco o discurso de "errei" ou de que "é nos
erros que aprendemos". E aproveita até para ironizar, com elegância, seus críticos.
(RD)
Folha - Que conclusão que o
sr. tira de tudo o que aconteceu
com o comitê no ano passado?
Juan Antonio Samaranch - O
caso era importante, mas não para ser motivo de manchetes e
manchetes na imprensa durante
semanas seguidas.
O que havia, no início, eram rumores de que alguns membros do
comitê não estavam se comportando como deveriam. Quando
apareceu algo concreto, tomamos
atitudes imediatas.
O que descobrimos é que os Jogos Olímpicos são mais importantes até do que a gente mesmo
pensava. O que aconteceu foi
bom, também, porque queríamos
fazer algumas reformas no comitê, que, sem a crise, não estávamos conseguindo realizar.
Folha - Uma das críticas feitas
ao sr. é que o sr. saberia de todos os problemas há tempos,
mas teria demorado demais para fazer alguma coisa.
Samaranch - É o que eu lhe falei.
Assim que apareceu algo concreto, tomamos atitude imediata.
Folha - Por que houve tamanha pressão por sua renúncia?
Samaranch - Não sei. Penso que
é normal ser criticado quando você ocupa uma função pública.
A crise, que teve origem na eleição que indicou a cidade norte-americana de Salt Lake City como
sede dos Jogos de Inverno de
2002, ganhou, de fato, proporção
à qual o Movimento Olímpico
não estava acostumado.
Tanto que até o próprio Samaranch teve que dar explicações,
pessoalmente, ao governo norte-americano, uma humilhação antes impensável ("não foi muito
agradável", define).
"Os EUA são um país muito importante para o esporte. Eles nos
pediram explicações, e então fomos a uma audiência, eu inclusive", justifica o dirigente.
Foi a habilidade política em situações como essa que fez com
que Samaranch chegasse à presidência do COI antes do previsto.
Escolhido para substituir Lord Killanin, cujo mandato expiraria em
1981, assumiu já no ano anterior,
para ter mais tempo de levar a Los
Angeles o bloco soviético, que
acenava com boicote em retaliação à ausência dos EUA em 1980.
"Temos de trabalhar para que,
em Los Angeles, realizem-se os
Jogos da Conciliação", disse já em
seu discurso de posse.
Tinha a seu favor o fato de ter
acabado de ser embaixador espanhol em Moscou. Uma proximidade que lhe permitiu, por exemplo, conceder honras olímpicas a
dois importantes líderes do bloco
comunista, o romeno Nicolau
Ceausescu e o alemão-oriental
Erich Honecker.
Suas articulações, no entanto,
não foram capazes de demover os
soviéticos, que boicotaram os Jogos de 1984 -a aliança olímpica
só seria refeita em Seul.
União, aliás, é uma palavra que
encanta o dirigente. Na última
quinta-feira, por exemplo, o comitê anunciou sua nova preocupação: unificar os esportes no
mundo da Internet. Convocou até
uma conferência para tratar exclusivamente do assunto, em Lausanne, em novembro.
Folha - Qual é o maior avanço
do Movimento Olímpico nos 20
anos de sua gestão?
Samaranch - Acho que foi o
avanço da unidade do movimento olímpico, entre as federações,
as confederações e o comitê.
Folha - Que pontos o sr. vê em
comum entre sua gestão e a de
João Havelange na Fifa (que durou de 1974 a 1998)?
Samaranch - Havelange foi um
maestro, me ajudou muito. Estava à frente da federação internacional mais importante de todas
durante a maior parte do tempo
em que eu estive no comitê.
Folha - Como será o futuro dos
Jogos Olímpicos? Haverá mais
ou menos esportes e atletas?
Samaranch - É muito difícil dizer como será o futuro do esporte.
A grande novidade dos últimos
tempos foi a TV. Os Jogos Olímpicos de Roma, em 60, foram os primeiros que tiveram transmissão
de verdade. Desde então, aumentou muito o dinheiro do esporte.
Folha - Quais são os maiores
perigos que o sr. enxerga para o
futuro do Movimento Olímpico?
Samaranch - É a perda de unidade entre o comitê, as federações
e as confederações. Não creio que
vá acontecer. Levamos muito
tempo para conseguir isso.
São poucas, de fato, as ameaças
à vista para a unidade olímpica.
Uma delas, no entanto, é especialmente séria: a do futebol.
Forte o suficiente para fazer
frente ao COI, a Fifa nunca permitiu que o torneio olímpico reunisse as maiores estrelas do mundo.
Depois de muita negociação,
Samaranch arrancou pelo menos
uma concessão: cada seleção pode levar três jogadores acima de
23 anos, idade-limite dos Jogos.
No mês passado, em mais um
capítulo da política de aproximação, prometeu a Joseph Blatter, da
Fifa, que tentaria adequar a data
de Atenas-2004 ao calendário do
futebol. Mas está difícil: o comitê
organizador já avisou que não vai
encampar a proposta.
Coincidência ou não, na última
quinta-feira, três dias depois do
"aviso" grego, Samaranch veio a
público com sérias ameaças aos
organizadores -dizendo, inclusive, que atrasos no cronograma
podem até fazer com que Atenas
perca os Jogos.
Uma postura bem diferente, por
exemplo, da que o dirigente adota
em relação a Sydney, na Austrália,
palco da próxima Olimpíada.
Folha - Qual é a principal vantagem que Sydney pode oferecer aos Jogos Olímpicos?
Samaranch - Os Jogos serão
num país que gosta muito de esporte e que está há muitos anos se
preparando para a Olimpíada.
Folha - O que será feito diferente em Sydney em relação ao
que ocorreu há quatro anos em
Atlanta?
Samaranch - Atlanta foi um sucesso, tivemos um público extraordinário. O maior problema
lá foi a informática. Vocês jornalistas não ficaram muito contentes. Mas nos últimos dias o problema acabou sendo resolvido.
Folha - Na sua última visita à
Austrália, o sr. criticou a imprensa local. Em sua opinião, por
que existem tantas críticas à
atuação do Comitê Organizador
dos Jogos?
Samaranch - A imprensa é crítica por natureza. Mas está tudo
sendo feito normalmente, dentro
do prazo estabelecido.
(RD)
Texto Anterior: Esporte = governo, na equação do COI Próximo Texto: Passado franquista é maior tabu Índice
|