São Paulo, sexta-feira, 23 de junho de 2000


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FUTEBOL
O eterno retorno

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Depois da derrota para o Manchester, Lino, o palestrino, tinha prometido para si mesmo que nunca mais veria um jogo do Palmeiras. Mas ele acabou entusiasmando-se com a campanha na Libertadores e, na última quarta-feira, acordou confiante e olhou com orgulho para seu ingresso adquirido depois de cinco horas numa fila do Parque Antarctica. Essa vitória iria entrar para a história.
Do ponto de vista da empresa, não se pode dizer que seu dia tenha sido produtivo. Ele leu cadernos de esportes, ouviu programas de rádio e viu os telejornais da hora do almoço. Depois, começou a pôr em operação um plano: um amigo ligaria e diria que houve atraso numa entrega. Ingênua, a secretária lhe passou a ligação:
"É um cliente da zona sul. Parece que está bravo."
Lino o atendeu e, com voz mansa e humilde, tentava se justificar. Mas como, do outro lado, o "cliente" parecia irredutível, Lino pôs o telefone no gancho, disse um palavrão e, virando-se para a secretária, falou bem alto:
"Vou ter que ir lá na loja desse cara, você acredita?"
Quando Lino, o palestrino, estacionou seu carro nas proximidades do Morumbi eram ainda cinco horas da tarde. Aí ele se transformou: tirou o paletó, os sapatos e a gravata, trocando-os por um agasalho verde, um tênis e um chapéu com cara de porquinho.
Ainda enrolou-se numa bandeira, pintou a cara e comprou dois churrasquinhos de gato para melhor aguentar as horas que tinha pela frente.
Fazia frio e algumas vezes ele pensou se não teria sido melhor ficar em casa, acomodado no sofá e tomando chocolate quente de vez em quando para aliviar a tensão. Mas pensou: "E perder esse momento histórico? De jeito nenhum!" Logo o estádio começou a se encher e ele a se animar. Já não era mais ele e um bando de sofredores, era uma multidão de irmãos agitando bandeiras.
Bola rolando, Lino, o palestrino, teve um mau pressentimento com o gol mal anulado de Palermo. Mas pior que isso era o time: nervoso e mal disposto em campo.
Pressionava, mas não achava espaços. Júnior, Alex e Euller, sempre bem vigiados, não tinham espaço para fazer suas habituais maquinações.
Os primeiros minutos da segunda etapa deram-lhe um pouco de alegria. O Palmeiras encurralou o adversário e houve o pênalti não-marcado por Epifanio González. Mas logo a partida voltou ao seu padrão.
Sem jogadas pela direita, o time ficava previsível e fácil de ser marcado. Só não via quem não queria: os argentinos estavam levando o jogo para os pênaltis.
Temeroso, ele começou a pensar nas piadinhas: O Palmeiras é um time meia-boca. O Boca deixou o Palmeiras de boca aberta. Quem tem Boca vai a Tóquio. Como você passou o feriado de Porcus Tristi?
O tempo passou e o gol não saiu. A decisão seria nos pênaltis. Lino, o palestrino, sabia que nas últimas quatro disputas de pênaltis o time havia sido vencedor. Corinthians, Deportivo Cali, Peñarol e, novamente, o Corinthians caíram diante da frieza do time.
Mas dessa vez ele tinha um mau pressentimento.
Quando Asprilla e Roque Júnior erraram suas cobranças, Lino, o palestrino, enrolou sua bandeira e, ainda com o chapéu de porco na cabeça, andou até o carro.
No caminho pensou várias coisas, como:
""Esse time não é de nada",
""Vou jogar fora minhas cuecas verdes",
""Daqui pra frente só vou torcer pelo Guga",
e, é claro, ""Nunca mais vou ver um jogo do Palmeiras".
Voltou para sua casa com o rádio desligado, pensando que a vida não passa de um teatro de sombras, uma história insípida narrada por um idiota, com muito barulho e fúria, significando nada.
Mas, na manhã seguinte, abrindo o jornal, viu que o Palmeiras estava na Copa do Brasil.
Lembrou que a Copa vale uma vaga para a Libertadores e a Libertadores vale uma vaga para Tóquio.
E então disse para si mesmo: "Acho que vou no estádio sábado. Mas é a última vez".
E-mail torero@uol.com.br


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