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FUTEBOL
O eterno retorno
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Depois da derrota para o
Manchester, Lino, o palestrino, tinha prometido para si mesmo que nunca mais veria um jogo
do Palmeiras. Mas ele acabou entusiasmando-se com a campanha
na Libertadores e, na última
quarta-feira, acordou confiante e
olhou com orgulho para seu ingresso adquirido depois de cinco
horas numa fila do Parque Antarctica. Essa vitória iria entrar
para a história.
Do ponto de vista da empresa,
não se pode dizer que seu dia tenha sido produtivo. Ele leu cadernos de esportes, ouviu programas
de rádio e viu os telejornais da hora do almoço. Depois, começou a
pôr em operação um plano: um
amigo ligaria e diria que houve
atraso numa entrega. Ingênua, a
secretária lhe passou a ligação:
"É um cliente da zona sul. Parece que está bravo."
Lino o atendeu e, com voz mansa e humilde, tentava se justificar.
Mas como, do outro lado, o
"cliente" parecia irredutível, Lino
pôs o telefone no gancho, disse um
palavrão e, virando-se para a secretária, falou bem alto:
"Vou ter que ir lá na loja desse
cara, você acredita?"
Quando Lino, o palestrino, estacionou seu carro nas proximidades do Morumbi eram ainda cinco horas da tarde. Aí ele se transformou: tirou o paletó, os sapatos
e a gravata, trocando-os por um
agasalho verde, um tênis e um
chapéu com cara de porquinho.
Ainda enrolou-se numa bandeira, pintou a cara e comprou
dois churrasquinhos de gato para
melhor aguentar as horas que tinha pela frente.
Fazia frio e algumas vezes ele
pensou se não teria sido melhor
ficar em casa, acomodado no sofá
e tomando chocolate quente de
vez em quando para aliviar a tensão. Mas pensou: "E perder esse
momento histórico? De jeito nenhum!" Logo o estádio começou a
se encher e ele a se animar. Já não
era mais ele e um bando de sofredores, era uma multidão de irmãos agitando bandeiras.
Bola rolando, Lino, o palestrino, teve um mau pressentimento
com o gol mal anulado de Palermo. Mas pior que isso era o time:
nervoso e mal disposto em campo.
Pressionava, mas não achava
espaços. Júnior, Alex e Euller,
sempre bem vigiados, não tinham
espaço para fazer suas habituais
maquinações.
Os primeiros minutos da segunda etapa deram-lhe um pouco de
alegria. O Palmeiras encurralou o
adversário e houve o pênalti não-marcado por Epifanio González.
Mas logo a partida voltou ao seu
padrão.
Sem jogadas pela direita, o time
ficava previsível e fácil de ser
marcado. Só não via quem não
queria: os argentinos estavam levando o jogo para os pênaltis.
Temeroso, ele começou a pensar
nas piadinhas: O Palmeiras é um
time meia-boca. O Boca deixou o
Palmeiras de boca aberta. Quem
tem Boca vai a Tóquio. Como você passou o feriado de Porcus
Tristi?
O tempo passou e o gol não saiu.
A decisão seria nos pênaltis. Lino,
o palestrino, sabia que nas últimas quatro disputas de pênaltis o
time havia sido vencedor. Corinthians, Deportivo Cali, Peñarol e,
novamente, o Corinthians caíram
diante da frieza do time.
Mas dessa vez ele tinha um mau
pressentimento.
Quando Asprilla e Roque Júnior
erraram suas cobranças, Lino, o
palestrino, enrolou sua bandeira
e, ainda com o chapéu de porco
na cabeça, andou até o carro.
No caminho pensou várias coisas, como:
""Esse time não é de nada",
""Vou jogar fora minhas cuecas
verdes",
""Daqui pra frente só vou torcer
pelo Guga",
e, é claro, ""Nunca mais vou ver
um jogo do Palmeiras".
Voltou para sua casa com o rádio desligado, pensando que a vida não passa de um teatro de
sombras, uma história insípida
narrada por um idiota, com muito barulho e fúria, significando
nada.
Mas, na manhã seguinte, abrindo o jornal, viu que o Palmeiras
estava na Copa do Brasil.
Lembrou que a Copa vale uma
vaga para a Libertadores e a Libertadores vale uma vaga para
Tóquio.
E então disse para si mesmo:
"Acho que vou no estádio sábado.
Mas é a última vez".
E-mail torero@uol.com.br
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