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Tá tudo combinado
Na Liberdade, a comunidade japonesa vibra uma, duas, três vezes com o mesmo gol, tudo como pedem as câmeras de TV
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Amigo torcedor, amigo secador, estava tudo combinado ontem na Liberdade. O único lugar do mundo onde secar e torcer são a mesma coisa, o mesmo verbo. Se o Japão atacava, a
comunidade japonesa ia à loucura, se o Brasil estava com a
bola na área deles, os orientais e
descendentes enlouqueciam da
mesma forma. A arte zen de ver
a Copa e tocar a vida.
Se os repórteres de TV pediam, eles faziam qualquer coisa, tocavam pandeiros, batiam
tambores primitivos e até repetiam a vibração dos gols muito
depois do ocorrido, muito depois do repeteco.
Sushi, sashimi, saquê, cerveja, cachaça, estava tudo combinado. E tinha mais jornalistas,
repórteres, fotógrafos e câmeras do que gente de fato no
Bunkio, o ginásio esportivo da
Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. Aos 20min de jogo, a repórter da Globonews
grava um boletim. A colônia
não andava das mais vibrantes
nessa hora. Ela pede, gesticulando como quem
toca um pandeiro,
para que o jovem
japa, metade do
rosto Brasil, metade Japão, toque.
Êêêêêê. A colônia se levanta. E,
assim por diante,
essa vibração metade verdadeira,
metade ensaiada.
Tudo combinado.
Agora a repórter
da Record pede
ânimo a outro nissei, é assim que
funciona o espetáculo, nem sempre a
realidade colabora,
saco! Com a camisa
9 do Ronaldo,
Ewerton Hirayama, 28, que trabalha no mercado financeiro, repete
para as câmeras a
vibração que deveras sente: gol do
Brasil, 1 x 1. Mas,
quando ele vibra
para as TVs, o goleiro japonês nem
se lembra mais do
gol que havia tomado, faz tempo,
além, muito além
do repeteco.
Zen, a repórter
da TV Cultura entende de futebol à
vera. Largo o telão
e vejo o jogo pelas
suas unhas, bocas e
gestos.
A dupla Ooi e
Osako, da TV Tokyo, pelo que compreendi com meu
inglês breaco, é a
mais séria. Não
desgruda de uma
família composta
por duas gerações que representam a imigração nipônica.
Não desgruda, só documenta,
sem intervenções nem falas. A
mesma família era o que havia
de mais interessante para o estudante de jornalismo Bruno
Diniz, 20, que fazia a sua primeira videorreportagem para a
TV da Universidade Metodista.
Ele também sabia que o melhor é ver e ouvir na moita, sem
teleguiar a existência, com a generosidade de um Eduardo
Coutinho ou de qualquer outro
grande documentarista. Uma
coisa assim como pedir: vida,
aconteça na minha frente!
Opa, lá no canto o Rodrigo
Tabata, o jogador do Santos.
Correria de luzes e microfones.
O telão ficou nublado. Os japinhas chiaram. Apaguem as luzes. Opa, "se apagar vira suruba", gracejou Carlos Tominaga,
23, rapaz que seguia todos os
movimentos da imprensa, tipo
marcação homem a homem.
Opa, esbarramos com o vereador William Woo, político
da comunidade que distribui
tabelas da Copa e santinhos.
Nem aí para Ronaldos e Robinhos. É candidato a deputado
federal pelo PSDB. "Sai da frente, palhaço", berra um adolescente tão bêbado que não ouso
perguntar o nome. O grito é na
direção do político, não do inocente cronista que vos narra.
Opa, agora uma deusa, acho
que é a Vanessa Handa, a linda
garota nissei do mundo fashion. Não, não era. Mas também não era fraca. "Tenho até
os mesmos hábitos que ela, faço
academia, ioga e artes marciais", afirma a deusa que atende pelo nome de Brenda Mori,
21. Prazer em conhecê-la. Dali
por diante, entendi a arte zen
de torcer por qualquer pátria,
qualquer coisa.
Opa, Chacrinha não. O que
faz o Abelardo Barbosa numa
festa japonesa. Era o próprio,
vestido a caráter. Tudo combinado. O Chacrinha paulista vai
ao lugar certo do crime: onde
houver flashes da Copa.
Chacrinha procura a TV como a bola procura o craque.
Ama aparecer, somente isso,
simples, divina comédia dos 15
minutos. Para ganhar a vida, no
entanto, ele acorda de sonhos
intranqüilos, em quase todas as
manhãs, veste terno e gravata e
vira o advogado Wilson Ribeiro, 66, causas cíveis.
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