São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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Banho de mar

Scheidt conquista o bicampeonato, rompe jejum de oito anos e faz da vela o esporte olímpico do Brasil

GUILHERME ROSEGUINI
ROBERTO DIAS
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS

Robert Scheidt escorregou ontem e desabou no mar.
O desequilíbrio ocorreu logo depois de cruzar a linha de chegada da última regata da classe laser em Atenas. Mas não havia nada de errado com o tombo. Quando caiu na água, o velejador já havia se tornado o maior atleta olímpico da história do Brasil.
Aos 31 anos, Scheidt chegou ontem à segunda medalha de ouro de sua carreira, a terceira no total -fora campeão em Atlanta-96 e vice em Sydney-00, sempre na laser.
A conquista fez o paulistano igualar em número de ouros o saltador Adhemar Ferreira da Silva, até ontem o único bicampeão olímpico. Mas Scheidt toma-lhe a dianteira graças à prata.
O feito de ontem encerra também um jejum de 2.944 dias sem medalhas de ouro para o Brasil em Olimpíadas. O hino nacional não era ouvido nos Jogos desde 1996 -e a última vez havia sido graças a ele, Scheidt.
"Demorou, mas agora eu posso berrar: É ouro!", disse logo após sair do mar. O velejador teve o barco carregado pelos companheiros da vela e recebeu telefonema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ele falou que já suspeitava que eu ia ganhar e me convidou para almoçar lá."
Scheidt é exemplo de como o esporte brasileiro depende de seus fenômenos mais do que outros países. Sozinho, ganhou 15% dos ouros do Brasil. A proporção é bem maior do que a guardada entre os três maiores campeões olímpicos da história (todos com nove ouros) e seus países: o velocista Carl Lewis ganhou 1% dos ouros americanos, a ginasta Larissa Latynina obteve 2% dos russos, e o corredor Paavo Nurmi teve 9% dos finlandeses.
O caminho de Scheidt foi pontuado por um inusitado caso de superstição -aliás, mais um, já que o velejador não entra no barco sem um cavalo de xadrez e uma corrente de ouro. Após começar em bom ritmo a semana, o velejador caiu de produção na quinta-feira. Terminou as duas regatas do dia no 12º e no 19º postos. Cláudio Bieckarck, técnico e amigo, detectou o motivo: sua camisa desrespeitava Iemanjá.
É que o técnico fora obrigado pela organização a colocar um esparadrapo sobre a inscrição "Odaiá" que carrega na vestimenta. A palavra é saudação à Rainha do Mar. "Certamente ela não gostou de ser escondida", diz. Logo após o episódio, tirou a vedação e foi ao mar com a inscrição nos últimos dois dias de regata. O velejador não perdeu mais.
Descendente de alemães, Scheidt começou a velejar aos nove anos. Ontem, não chorou durante o hino brasileiro. Marcelo Ferreira, niteroiense que lidera a classe star, chorou. É o parceiro de Ferreira, por sinal, o único homem que pode tomar o lugar de Scheidt como maior olímpico brasileiro nesta semana -para isso, Torben Grael precisará também repetir o ouro de Atlanta.
Não que isso importe. Scheidt diz que não pensava em Adhemar e que não liga para o fato de ser pouco reconhecido. "Meu objetivo no esporte sempre foi alcançar meus sonhos, não ficar famoso."


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