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Banho de mar
Scheidt conquista o bicampeonato, rompe jejum de oito anos e faz da vela o esporte olímpico do Brasil
GUILHERME ROSEGUINI
ROBERTO DIAS
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS
Robert Scheidt escorregou ontem e desabou no mar.
O desequilíbrio ocorreu logo
depois de cruzar a linha de chegada da última regata da classe laser
em Atenas. Mas não
havia nada de errado
com o tombo. Quando caiu na água, o
velejador já havia se
tornado o maior
atleta olímpico da
história do Brasil.
Aos 31 anos,
Scheidt chegou ontem à segunda medalha de ouro de sua
carreira, a terceira no total -fora
campeão em Atlanta-96 e vice em
Sydney-00, sempre na laser.
A conquista fez o paulistano
igualar em número de ouros o saltador Adhemar Ferreira da Silva,
até ontem o único bicampeão
olímpico. Mas Scheidt toma-lhe a
dianteira graças à prata.
O feito de ontem encerra também um jejum de 2.944 dias sem
medalhas de ouro para o Brasil
em Olimpíadas. O hino nacional
não era ouvido nos Jogos desde
1996 -e a última vez havia sido
graças a ele, Scheidt.
"Demorou, mas agora eu posso
berrar: É ouro!", disse logo após
sair do mar. O velejador teve o
barco carregado pelos companheiros da vela e recebeu telefonema do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. "Ele falou que já suspeitava que eu ia ganhar e me
convidou para almoçar lá."
Scheidt é exemplo de como o esporte brasileiro depende de seus
fenômenos mais do que outros
países. Sozinho, ganhou 15% dos
ouros do Brasil. A proporção é
bem maior do que a guardada entre os três maiores campeões
olímpicos da história (todos com
nove ouros) e seus países: o velocista Carl Lewis ganhou 1% dos
ouros americanos, a ginasta Larissa Latynina obteve 2% dos russos,
e o corredor Paavo Nurmi teve
9% dos finlandeses.
O caminho de Scheidt foi pontuado por um inusitado caso de
superstição -aliás, mais um, já
que o velejador não entra no barco sem um cavalo de xadrez e
uma corrente de ouro. Após começar em bom ritmo a semana, o
velejador caiu de produção na
quinta-feira. Terminou as duas
regatas do dia no 12º e no 19º postos. Cláudio Bieckarck, técnico e
amigo, detectou o motivo: sua camisa desrespeitava Iemanjá.
É que o técnico fora obrigado
pela organização a colocar um esparadrapo sobre a inscrição
"Odaiá" que carrega na vestimenta. A palavra é saudação à Rainha
do Mar. "Certamente ela não gostou de ser escondida", diz. Logo
após o episódio, tirou a vedação e
foi ao mar com a inscrição nos últimos dois dias de regata. O velejador não perdeu mais.
Descendente de alemães,
Scheidt começou a velejar aos nove anos. Ontem, não chorou durante o hino brasileiro. Marcelo
Ferreira, niteroiense que lidera a
classe star, chorou. É o parceiro de
Ferreira, por sinal, o único homem que pode tomar o lugar de
Scheidt como maior olímpico
brasileiro nesta semana -para isso, Torben Grael precisará também repetir o ouro de Atlanta.
Não que isso importe. Scheidt
diz que não pensava em Adhemar
e que não liga para o fato de ser
pouco reconhecido. "Meu objetivo no esporte sempre foi alcançar
meus sonhos, não ficar famoso."
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