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o maratonista
No km 27 da prova olímpica feminina, sessentões jogam rouba-monte enquanto as corredoras passam, puxando aplausos efusivos dos torcedores gregos e de uma atleta de Malta, que lamenta estar de fora
ESPIANDO a maratona
PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
Maratona na maratona. São
17h15, e a andança, depois de uma
pausa em Mikonos, está no km 27
da trajetória, em uma região chamada Palini. Um grupo de senhores sessentões espera a maratona
olímpica feminina passar, enquanto joga uma espécie de rouba-monte grego chamado "diloti", em uma das mesas do Kafenio
to Kentrico (Café do Centro).
"Coitadinhas dessas moças,
correr nesse calor. Mas, já que elas
querem, a gente vem prestigiar",
diz o aposentado Christos Kapetanos, 65, o único que fala inglês.
O resto acompanha a entrevista,
rindo e gritando, depois da tradução de Christos.
De repente, um deles aponta para uma menina loura de olhos
azuis, short, pernas bronzeadas e
camiseta decotada. O resto olha e
comenta, rindo, algo que depois
Christos resume como: "Essa aí a
gente não vai deixar correr, não".
A menina é Giselle Camilleri, 30,
que mora na ilha de Malta, mas
estava na Bélgica e veio especialmente para assistir à maratona
que diz ser seu grande sonho correr. Ela se preparou durante três
anos, chegando a treinar 160 km
por semana, até que em janeiro
foi obrigada a parar por causa de
uma inflamação na virilha.
"Quando tinha 21 anos, corri
minha primeira maratona, em
Barcelona, e ganhei.
Aquilo foi tão estimulante para mim que,
desde então, passei a
correr sem parar e acabei me viciando. Tirei
quinto em Enschede, na
Holanda, e sétimo em
Lisboa. O problema na
perna vinha de algum
tempo, mas insisti em
correr, achando que fosse superar. Acabou se
tornando crônico", explica a atleta.
Giselle está com o namorado, Christian Nemeth, 32, que abandonou a carreira de assistente social para tornar-se corredor profissional
e ganha cerca de 800
por mês.
"Foi um ano difícil para mim: engordei 5 kg e estou
muito ansiosa, ainda mais porque
atingi uma idade em que as mulheres querem se casar. As coisas
entre eu e ele não vão nada bem",
diz Giselle, quando o namorado
não está perto.
A 200 metros dali, o professor
de física Nicolas Andrikopoulos,
33, aguarda a passagem das corredoras com a mulher e a filha pequena, enrolado em uma enorme
bandeira da Grécia, com um apito
na boca. "Esse é o jeito grego de
ver a maratona", diverte-se. "E
tem aquele ali também", diz ele,
rindo, quando um guarda tenta
impedir aos berros que um homem atravesse a rua interditada
por cordões de isolamento.
"O grego está sempre se fazendo
de desentendido, porque quer
impor sua própria vontade, passando por cima das regras", diz.
Às 19h32, a primeira leva de corredoras passa pela estação de
apoio local, sob aplausos, gritos e
assovios; a segunda turma aparece cerca de três minutos depois.
Há água disponível sobre as mesas, esponjas e três chuveiros permanecem abertos.
A maioria pega água, molha a
boca, vira a garrafa na cabeça e
atira longe; muito poucas lançam
mão das esponjas e menos ainda
passam pelo lava-rápido. Como
não há o nome do país na camiseta delas, só o número, apenas
quem é ligado no assunto conhece as atletas gregas. Mesmo assim,
algumas são mais aplaudidas do que outras. Conhecidas?
"Não tenho a menor
idéia de quem sejam",
diz, às gargalhadas, o
empresário Panos Markou, 40, depois de aplaudir freneticamente uma
corredora que passa.
A reportagem espera
pelas duas participantes
brasileiras, mas tem de
deixar o posto -é hora
de escrever a coluna.
Mais tarde, descobre que
ambas deixaram a prova
antes do km 20, o que,
para quem faz o mesmo
percurso andando, em
duas semanas, e ainda
precisa espairecer em
Mikonos, parece plenamente justificável.
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