São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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o maratonista

No km 27 da prova olímpica feminina, sessentões jogam rouba-monte enquanto as corredoras passam, puxando aplausos efusivos dos torcedores gregos e de uma atleta de Malta, que lamenta estar de fora

ESPIANDO a maratona

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

Maratona na maratona. São 17h15, e a andança, depois de uma pausa em Mikonos, está no km 27 da trajetória, em uma região chamada Palini. Um grupo de senhores sessentões espera a maratona olímpica feminina passar, enquanto joga uma espécie de rouba-monte grego chamado "diloti", em uma das mesas do Kafenio to Kentrico (Café do Centro).
"Coitadinhas dessas moças, correr nesse calor. Mas, já que elas querem, a gente vem prestigiar", diz o aposentado Christos Kapetanos, 65, o único que fala inglês. O resto acompanha a entrevista, rindo e gritando, depois da tradução de Christos.
De repente, um deles aponta para uma menina loura de olhos azuis, short, pernas bronzeadas e camiseta decotada. O resto olha e comenta, rindo, algo que depois Christos resume como: "Essa aí a gente não vai deixar correr, não".
A menina é Giselle Camilleri, 30, que mora na ilha de Malta, mas estava na Bélgica e veio especialmente para assistir à maratona que diz ser seu grande sonho correr. Ela se preparou durante três anos, chegando a treinar 160 km por semana, até que em janeiro foi obrigada a parar por causa de uma inflamação na virilha.
"Quando tinha 21 anos, corri minha primeira maratona, em Barcelona, e ganhei. Aquilo foi tão estimulante para mim que, desde então, passei a correr sem parar e acabei me viciando. Tirei quinto em Enschede, na Holanda, e sétimo em Lisboa. O problema na perna vinha de algum tempo, mas insisti em correr, achando que fosse superar. Acabou se tornando crônico", explica a atleta.
Giselle está com o namorado, Christian Nemeth, 32, que abandonou a carreira de assistente social para tornar-se corredor profissional e ganha cerca de 800 por mês.
"Foi um ano difícil para mim: engordei 5 kg e estou muito ansiosa, ainda mais porque atingi uma idade em que as mulheres querem se casar. As coisas entre eu e ele não vão nada bem", diz Giselle, quando o namorado não está perto.
A 200 metros dali, o professor de física Nicolas Andrikopoulos, 33, aguarda a passagem das corredoras com a mulher e a filha pequena, enrolado em uma enorme bandeira da Grécia, com um apito na boca. "Esse é o jeito grego de ver a maratona", diverte-se. "E tem aquele ali também", diz ele, rindo, quando um guarda tenta impedir aos berros que um homem atravesse a rua interditada por cordões de isolamento.
"O grego está sempre se fazendo de desentendido, porque quer impor sua própria vontade, passando por cima das regras", diz.
Às 19h32, a primeira leva de corredoras passa pela estação de apoio local, sob aplausos, gritos e assovios; a segunda turma aparece cerca de três minutos depois. Há água disponível sobre as mesas, esponjas e três chuveiros permanecem abertos.
A maioria pega água, molha a boca, vira a garrafa na cabeça e atira longe; muito poucas lançam mão das esponjas e menos ainda passam pelo lava-rápido. Como não há o nome do país na camiseta delas, só o número, apenas quem é ligado no assunto conhece as atletas gregas. Mesmo assim, algumas são mais aplaudidas do que outras. Conhecidas?
"Não tenho a menor idéia de quem sejam", diz, às gargalhadas, o empresário Panos Markou, 40, depois de aplaudir freneticamente uma corredora que passa.
A reportagem espera pelas duas participantes brasileiras, mas tem de deixar o posto -é hora de escrever a coluna. Mais tarde, descobre que ambas deixaram a prova antes do km 20, o que, para quem faz o mesmo percurso andando, em duas semanas, e ainda precisa espairecer em Mikonos, parece plenamente justificável.


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