São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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Cirurgia a laser

Campanha de Scheidt mostra nova técnica e indica troca de classe

DOS ENVIADOS A ATENAS

Tudo é calculado. Detalhes da estratégia, hora certa de agir, limites para ultrapassar rivais, domínio do barco e controle do clima. Não há chance para o acaso.
O estilo com que Robert Scheidt conquistou ontem o bicampeonato na classe laser difere -e muito- do utilizado em suas campanhas olímpicas anteriores.
Nada de buscar vitórias a todo o custo. Na Grécia, seu trunfo foi outro. Em uma palavra: tática.
"Viemos para cá sabendo que seria uma competição diferente. Era preciso ser técnico, muito regular. O campeão não seria aquele que ganha uma regata e chega em último na outra, mas sim o que ficasse sempre entre os melhores. Acertamos", explica Cláudio Biekarck, seu treinador.
O viés calculista e pragmático de 2004 salta aos olhos quando os números são comparados com os Jogos anteriores. No primeiro ouro, em Atlanta-1996, Scheidt venceu três das 11 regatas. Quatro anos depois, em Sydney, triunfou em cinco. Mesmo assim, sucumbiu na disputa com o inglês Ben Ainslie. Sua trajetória na Grécia teve outro rumo. Venceu só uma regata em toda a competição.
Ontem, a prova final foi retardada por vento fraco, teve uma largada cancelada e quase não saiu do papel. Apesar dos problemas, Scheidt velejou com segurança, de olho no regulamento e terminou em sexto. "Estava calmo. Isso é experiência. Vem aos poucos, com o tempo", explica o atleta.
Na verdade, vem também de uma preparação diferenciada. Desde o revés no Mundial de 2003, quando perdeu o título no derradeiro dia de disputa, Scheidt decidiu redobrar o cuidado nos treinos. Não queria surpresas.
"O jeito de velejar depende da competição. Depois daquela derrota, o Robert evoluiu. Hoje ele tem maturidade para se adaptar a qualquer tipo de clima e mar, mesmo os mais complicados, como esse da Grécia", diz Biekarck.
De fato, as surpresas sumiram. Scheidt ganhou os dez torneios que disputou em 2004, sempre com estilo letal. "Nem durmo direito nas competições. Fico pensando na corrida, em como o vento estará no dia seguinte", conta.
O ouro de ontem coroou a temporada impecável e abriu portas para um desejo acalentado desde 2000. Após o término da Olimpíada, Scheidt chamou Biekarck para uma conversa particular. Confessou que, após nove anos na laser (embarcação de 4 m), gostaria de provar seu valor em outra classe.
O técnico ponderou. "Ele ainda tinha uma ótima condição física para brilhar onde estava." Agora, a mudança é iminente.
"Não sei ao certo em que barco vou competir nos próximos Jogos", relata o atleta. Seu treinador, contudo, é bem mais incisivo: "Não acredito que, em Pequim, ele estará correndo com o laser".
A troca de embarcação não está só no plano das idéias. Há pelo menos três anos, ele adquiriu um barco da star -em relação ao laser, dois metros a mais de casco, outro tripulante e exigência de perícia técnica maior. O material todo custou R$ 57 mil, valor dividido com outro atleta, Bruno Prada.
"O star está pronto. Vou fazer algumas regatas no segundo semestre. Espero aprender mais sobre outras partes da vela, sobre o trabalho da tripulação, sobre preparação. Acho que posso ter bons resultados em outras classes."
Há até a hipótese de uma aventura em torneios de oceano, os mais badalados do circuito.
Scheidt disse que já discutiu com "algumas pessoas" uma participação na America's Cup, disputa em veleiros de 15 m de comprimento e considerada uma das mais complexas do esporte.
"Se tiver a chance de estar num time competitivo, seria legal."
Difícil é repetir em outra empreitada seu desempenho arrasador da laser. Mas, como diz seu pai, Fritz, Scheidt é um homem que "cumpre suas metas".
Ontem, ele realizou talvez a mais antiga. Em 1980, com sete anos, viu o velejador Alexandre Welter desfilar em carro aberto com o ouro obtido nos Jogos de Moscou, em parceria com Lars Bjorskstrom na classe Tornado.
Decidiu, naquele instante, que queria ser como ele. Agora, deixou Welter para trás. Assim como todos os outros atletas olímpicos brasileiros. (GUILHERME ROSEGUINI E ROBERTO DIAS)


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