São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009

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PAULO VINICIUS COELHO

A lei, ora a lei


Brasil e Itália seguem os mesmos passos nos casos de apuração de manipulação de jogos, e ninguém vai preso

LOGO DEPOIS de trancar o processo contra o árbitro Edílson Pereira de Carvalho, o desembargador Fernando Miranda fez questão de dizer que estava cumprindo à risca o seu papel, do ponto de vista técnico. Na sua visão, Edílson não poderia ser enquadrado por estelionato, porque esse crime exige comprovação de perda de patrimônio e uma vítima identificada. Não está em julgamento se você se sentiu lesado, por comprar ingresso para jogo que estava sendo manipulado. E quem gastou em site de apostas, não é vítima? "Não, o jogo é ilegal no Brasil", diz o desembargador.
Edílson poderia ser enquadrado por evasão de divisas, segundo o desembargador. Fernando Miranda pode justificar que a argumentação do Ministério Público foi ruim. E o Ministério Público irá rebater que outro juiz aceitaria a argumentação.
O resultado prático do caso Edílson é trágico: sensação de impunidade. Edílson Pereira de Carvalho admitiu participar do esquema de manipulação de resultados desvendado durante o Brasileirão de 2005 e continua à solta.
A lei, ora a lei! Se o uso indevido da frase de Getúlio Vargas pode parecer desrespeito às instituições, façamos uma pequena adaptação. A lei, ora, a interpretação da lei. Edílson Pereira de Carvalho cometeu um crime, e isso até o desembargador Fernando Miranda admite, ao dizer que o ex-árbitro poderia ser enquadrado por evasão de divisas. Mas Edílson pagou um preço baixo demais. Deixou de apitar.
Não, não pense que interpretações das leis são problema só do Brasil. Na Itália, o caso de manipulação de escalas de arbitragem desvendado em 2006 resultou no rebaixamento da Juventus e num longo processo criminal que mantém o principal envolvido, Luciano Moggi, em liberdade. Moggi era diretor esportivo da Juventus e mantinha contatos telefônicos com árbitros. Na época, os jornais italianos revelaram: a cada conversa de Moggi, um lance polêmico a favor da Juventus.
No processo esportivo, a Juventus declarou-se culpada, uma tentativa de abrandar sua pena. O tiro saiu pela culatra: o juiz aceitou o reconhecimento de culpa como prova, e a Juventus foi condenada e rebaixada.
Luciano Moggi se demitiu do cargo de diretor esportivo para fazer sua defesa na esfera criminal. Se a Juventus se disse culpada e Moggi era funcionário do clube, então não podia ser culpado só por acatar as decisões de seu patrão. Brilhante!
Faltou dizer que quem tomava as decisões no departamento de futebol era ele mesmo, Luciano Moggi. Após três anos, o processo ainda corre em Nápoles, mas está claro que Moggi será absolvido. A alegação é que manter contato com os árbitros não era proibido pela legislação esportiva. Detalhe: após o escândalo, passou a ser. Outro ponto favorável à absolvição é a falta de provas materiais da corrupção. O resumo da ópera: ninguém vai para a cadeia, na Itália. Nem no Brasil.
Que a Itália imita o Brasil cada vez mais é claro. A Juventus, dona da maior torcida do país, declarou-se culpada e foi rebaixada. Edílson Pereira de Carvalho declarou-se culpado e vive livremente em Jacareí. Caro desembargador, tecnicamente os dois casos são iguais. E ninguém vai preso.

pvc@uol.com.br


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