São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2000

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Fabricando recordes


Acirrada disputa por medalhas entre empresas de material esportivo leva COI a estudar a implantação de uma Olimpíada de fabricantes


JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
ENVIADO ESPECIAL A SYDNEY


Não será de se estranhar se daqui a alguns anos a disputa pela liderança do quadro de medalhas não for entre EUA, Rússia, China ou Austrália, mas acontecer entre Nike, Adidas, Reebok, Speedo e outras empresas fabricantes de material esportivo.
O lobby para que isso ocorra tem apoio dentro do Comitê Olímpico Internacional. Um dos idealizadores do projeto é o príncipe Albert, de Mônaco, um dos seus membros mais populares.
Ainda incipiente, como ele mesmo reconhece, a sugestão poderia ser adotada a partir dos Jogos de 2008. Ela será debatida em reunião organizada pelo comitê, na Suíça, no início de dezembro.
Na ocasião, o COI vai discutir o que fazer com a Internet, já que até agora não vendeu os direitos de transmissão dos Jogos na rede. ""Aproveitando que se discutirá a abordagem que o COI dará à nova mídia, seria bom ver como fica a questão dos fabricantes de material esportivo", disse o príncipe.
""Já existe, na prática, uma competição entre eles. Os próprios jornais têm noticiado muito a briga por medalhas entre atletas da Nike, da Adidas, da Reebok... O que faríamos seria oficializar algo que já acontece e, a partir daí, democratizar o acesso aos novos produtos tecnológicos."
Para ele, um possível quadro de medalhas entre os fabricantes seria semelhante ao que se faz na F-1. ""No automobilismo existe o Mundial de pilotos e o de construtores de carros. Na Olimpíada seria algo nesse sentido."
Em Sydney, de uma certa forma isso já acontece, embora não seja uma competição oficializada.
A Speedo, por exemplo, ao final de cada prova de natação, divulga um ""ranking de medalhas das marcas de maiô". Anteontem, comemorava o fato de 80% das medalhas de ouro na piscina terem sido conquistadas por atletas que usaram o ""fast skin" -maiô inteiriço que ela produz.
A Nike, que concentrou seus investimentos no atletismo, está fazendo o mesmo com o início das provas no estádio Olímpico.
Com as inovações tecnológicas, é mais fácil quebrar novos recordes, dizem os fabricantes. E com eles concordam os atletas.
Na natação, por exemplo, o maiô inteiriço, feito com material que desliza melhor e mais rapidamente na água, é capaz de melhorar em até 6% a velocidade dos nadadores, dizem Speedo, Adidas e Tyr, famosa por produzi-lo nos EUA. O Comitê Olímpico Norte-Americano não concorda. Diz que, no máximo, a melhora do rendimento chega a 3%.
No atletismo, as novidades são muitas. Cathy Freeman e Marion Jones, duas das atletas mais badaladas, prometeram competir deixando só o rosto e as mãos de fora. Terão vantagem sobre as corredoras que não contam com a nova tecnologia, porque a pele exposta e o cabelo solto não são aerodinâmicos como certos tecidos.
O benefício pode parecer insignificante, mas, como disse Maurice Greene, que competirá com um novo modelo de tênis em Sydney, ""0,01s numa prova de 100 m é uma infinidade".
Em esportes como vôlei e basquete, tênis para melhorar a impulsão dos atletas estão em teste.
Alguns Comitês Olímpicos Nacionais têm equipamentos que geram quase 2.000 pedaços de informação por segundo dos movimentos e da força aplicada em cada um deles por alguns dos principais competidores.
Na ginástica artística, esses dados foram usados para a preparação da equipe romena, que levou ouro, prata e bronze na prova individual feminina.
Com tantas novidades, há quem se preocupe com o que o excesso de tecnologia fará para o esporte.
""A discussão tem de ser muito serena porque o que está em jogo numa Olimpíada é o ser humano, não a máquina", disse Jacques Rogge, um dos principais membros do COI, que não aprova a tese do príncipe Albert.
Ele acha que o excesso de tecnologia irá beneficiar apenas quem já tem recursos, aumentando a diferença com os esportistas mais necessitados.


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