São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2000 |
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ELES TAMBÉM FAZEM A OLIMPÍADA Para variar...acaba em pizza
ESTANISLAU MARIA DA REPORTAGEM LOCAL O entregador de pizza Ivanildo Julião, 23, corre três vezes por semana apenas para "impedir o aumento da barriga", define-se como "boleiro perna-de-pau", jamais disputou uma competição, mas vem experimentando um período olímpico no trabalho. "Nunca tive tanto serviço. Nem durante a Copa da França." Ele entrega pizza desde 1998 e, no fim-de-semana passado, atendeu quase o dobro dos pedidos habituais. Durante a semana, viu as entregas praticamente triplicarem. Acostumado a entregar 15 pizzas nas noites de terça a quinta, afirma que vem entregando 40; e, nas noites de sexta a domingo, pulou de 40 para 70 entregas em média. "Mas não reclamo", diz, sempre calmo, mãos sobre uma das mesas da pizzaria. "Ao contrário, eu acho ótimo, porque é sempre um troco a mais no final do mês." Ele conta que, nos sábados normais, apura até R$ 40 de gorjeta. Nascido em Natal (RN), Julião mudou-se com a família para São Paulo com oito meses de idade. O pai dele, Ivo, tornou-se pizzaiolo, e Julião virou seu ajudante aos 11 anos. Mas sonhava em ser piloto de avião. "A gente cresce e vê que a realidade não é sempre do jeito que a gente quer. Já que não podia comandar o motor de um avião, resolvi mexer em motor de carro." Aos 15 anos, começou a fazer cursos de mecânica no Senai; aos 18, já trabalhava em uma oficina; aos 20, abriu sua própria oficina em sociedade com um amigo. Na mesma época, o pai, pizzaiolo na Art Pizzas, em Pinheiros, indicou-o como entregador. O pai já foi para outra pizzaria, mas ele permaneceu lá. "Fico na oficina das 8h às 17h e na pizzaria das 18h à meia-noite". No período olímpico, no entanto, não tem saído antes da 1h30 por causa do movimento. A Folha consultou 28 estabelecimentos "delivery" (pizza, sanduíche, comida chinesa, comida árabe etc.). Nenhum dos consultados entrega durante toda a madrugada, mas a maioria disse estar esticando o horário até a 1h devido ao movimento, que cresceu de 10% a 30%. O sindicato de bares e restaurantes, que conta com 48 mil estabelecimentos em São Paulo, não tem registro sobre quantas dessas casas oferecem entrega. A Chef Express, empresa que entrega refeições para 150 restaurantes em São Paulo e Rio, registrou um aumento de 10% nos pedidos. "Sobretudo no final da noite, entre 23h e meia-noite", diz Marcelo Ferraz, 35, diretor operacional da empresa. Só em São Paulo, pelo menos 720 mil pessoas têm passado a noite diante da TV vendo os Jogos. Dados do Ibope, apenas da Globo e Bandeirantes, apontam uma audiência média de seis e três pontos, respectivamente (cada ponto equivale a 80 mil telespectadores). "Alguns clientes, sabendo que a pizzaria vai fechar, já fazem estoque", conta Julião. "Tem uma família que pede todos os dias. Lá pela meia-noite, eles ligam e já encomendam três pizzas" "Houve um caso que tive de fazer três viagens para entregar o pedido. Um grupo de dez amigos pediu 20 pizzas e dez refrigerantes de dois litros para a noite toda." Durante a Olimpíada, tem aumentado também o "tempo de porta" do entregador, porque o cliente espera um lance não-decisivo na TV para atender à campainha. Julião define vários tipos de fregueses (veja quadro), "mas agora sobressai o "moleza'". Entre uma entrega e outra, ele vê pouco a TV. Para não perder os Jogos, Julião pede para a mulher, Andréia Souza, 26, gravar e assiste às competições quando chega em casa, se os filhos deixarem. "Às vezes os quatro estão acordados (Tainá, 2, e os três do primeiro casamento de Andréia -Bruno, 10, Taís, 7, e Caíque, 5). "Mas sempre arrumo um tempinho para ver a Olimpíada, brincar com as crianças e namorar minha mulher", conta Julião. O entregador diz que, em cada entrega, comenta um pouquinho as competições com os fregueses. Segundo sua amostragem, Gustavo Kuerten é o preferido da torcida e também a grande esperança de ouro para o Brasil. Kuerten disputaria, ontem à noite, uma das oitavas-de-final. Na madrugada, ele e Jayme Oncins foram eliminados da disputa de duplas. Outra grande esperança é a seleção masculina de futebol. "Eu estou mais otimista que os clientes. Tenho certeza de que o Ronaldinho vai arrebentar nos próximos jogos", diz ele. Hoje o Brasil enfrenta Camarões, às 6h, pelas quartas-de-final. O período Olímpico reservou a Julião também seu maior aperto nestes três anos entregando pizza. A caminho de uma entrega no Morumbi, ele foi perseguido por dois homens também de moto. "Tive muito medo de ser assaltado e de morrer", confessa. "A gente houve histórias de bandidos que matam e levam a moto." O entregador disse que conseguiu despistar porque conhece a região e ficou dando voltas pelos quarteirões até abrir uma boa distância e dobrar em uma esquina sem ser visto. "Expliquei ao cliente o motivo de eu ter demorado, e ele entendeu. Inclusive nem percebeu a demora porque estava entretido com a Olimpíada. Texto Anterior: Marcelo Ríos é eliminado do torneio de duplas Próximo Texto: Contardo Calligaris: A "Tosca" e os toscos Índice |
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