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São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2003

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FUTEBOL

Insensatez

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

"Vê se fala bem do meu time!" A palmeirense fanática repetiu o pedido de todo torcedor que descobre que você "trabalha com futebol". No ato, respondi: "O Palmeiras não jogou mal no sábado. Criou mil chances, como sempre, e não aproveitou". Ela reagiu muito brava: "Que não jogou mal o quê!".
Isso é o torcedor. Você não pode "falar mal" do time dele, mas ele xinga a própria equipe mais do que você jamais faria. Se o time perdeu, não tente dizer que a torcida está sendo injusta, que a equipe não está tão mal -mas não diga que o time é medíocre, ou vai sobrar para sua mãe.
Em parte, é compreensível; todo mundo tem o instinto de proteção e defesa do que é seu. Eu posso reclamar do meu irmão, mas você não. O problema é quando o conceito "eu-meu x os outros" se torna mais raivoso, como acontece cada vez mais no futebol.
Volto ao tema "bairrismo". O preconceito chato de achar que os paulistas se imaginam superiores e detestam os não-paulistas está ficando insuportável. Se você pensa que o Edu Dracena merecia expulsão, é porque não suporta o sucesso do time mineiro. Se atesta a óbvia decadência do Flamengo, ou registra que muitos ainda associam o Fluminense ao champanhe estourado por uma virada de mesa, é porque não percebe que os paulistas também vão mal e finge que os dirigentes daqui não aprontaram das suas... Se não comenta a vitória do Coritiba, é por desprezo aos paranaenses.
E o preconceito tem sempre surdez e memória seletivas. Se você elogiar um time muitas vezes e criticar uma, "que espécie de jornalismo é esse, que não reconhece uma campanha maravilhosa?". Se criticar um milhão de vezes a Federação Paulista -que publicou uma revista luxuosa, em papel caro, para dizer uma porção de mentiras- e uma vez um cartola de outro Estado, "por que essa perseguição?".
O pior é que muitas vezes segmentos da imprensa de cada lugar insuflam esse ódio, esse ressentimento besta, se comportando de maneira absurdamente... bairrista. Por exemplo, vociferando contra a "imprensa paulista" devido ao comportamento de um jornalista. É como se eu dissesse que o futebol mineiro é violento por causa da cotovelada de Dracena em Alex Alves (absurdo!).
Eu bem queria ser capaz de acompanhar tudo mais de perto, ler jornais de todos os Estados, saber detalhes de todas as equipes, mas isso não é possível. Não consigo nem responder aos meus e-mails ou assistir aos treinos das equipes da minha cidade (seria ótimo para analisar as partidas).
E faço um desafio: provem que um jornal de Minas dá a atenção merecida ao Coritiba, que os jornais do Paraná acompanham o Bahia, que os jornais baianos cobrem o Inter com a maior atenção, que os gaúchos dão destaque aos pernambucanos da Série B. É claro que não, porque não dá! Então não espere que um paulista tenha o dom da onisciência e ubiquidade e consiga dar atenção igual ao país inteiro. E não atribua aos outros um ódio seu.

Injusto
Imagino a vida de um americano que detesta a política externa do Bush, ou de um judeu que abomina o muro da Cisjordânia, mas é incluído na frase "odeio Israel e os EUA" e ainda leva uma bomba na cabeça.

Queria que ficasse
Do escritor Nick Hornby, sobre a vontade de parar de ir aos jogos do seu querido Arsenal por causa dos "marginais racistas" que frequentavam as arquibancadas: "Os estádios são para todo mundo, (...) e, quando o pessoal decente parar de ir, o esporte estará em dificuldades". A comparação é um exagero, mas eu queria que Paula continuasse no Ministério do Esporte. Mesmo sabendo que ela sofre com problemas crônicos e agudos.

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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