São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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FUTEBOL

Por trás da máscara

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Foi a terceira vez que a corda estourou do lado de Romário. A primeira foi em 1998, quando ele se contundiu e quis continuar na seleção, mas foi cortado. A segunda em 2002, quando um "lobby" infernal comandado pela Globo queria sua convocação e Felipão resistiu. Agora entrou em choque com o técnico Alexandre Gama e foi demitido.
Nos três casos houve um descompasso entre sua prepotência e sua real potência, ou, como dizia uma velha piada de argentino, entre o que ele vale e o que pensa que vale.
Não me entendam mal. Tenho uma ilimitada admiração pelo futebol que Romário exibiu até uns dois anos atrás. Foi um dos maiores craques a pisar numa grande área. Foi. Não é mais. Só que sua ficha ainda não caiu. Pensa que o assento na janelinha do ônibus é vitaliciamente seu.
Tudo isso me fez pensar na palavra "máscara", que muitos leitores têm usado para se referir ao glorioso atacante.
O termo foi usado aqui há alguns dias pelo companheiro Marcos Augusto Gonçalves, a propósito da atuação de Ronaldinho no jogo entre Brasil e Colômbia. Concordo com o MAG: Ronaldinho tropeçou nas fitinhas da máscara. Mas os casos de Romário e do jovem gaúcho são opostos. A noção de "máscara" é elástica e ambígua. Senão, vejamos.
Fora de campo, Ronaldinho é um rapaz adorável, sem qualquer traço de arrogância. Dentro das quatro linhas, porém, quer brilhar o tempo todo, o que o leva às vezes à firula e ao individualismo.
Romário é o contrário. Só abre a boca para se autopromover, julga-se o melhor do mundo, diz que Deus declarou, ao vê-lo nascer: "Esse é o cara". Seria só engraçado se não resvalasse com freqüência para o desrespeito ao outro, como ocorreu com Zagallo e Zico (ofendidos por um "afresco" no banheiro do bar de Romário) e agora no caso Gama.
Dentro de campo, porém, enquanto teve pernas e fôlego, Romário foi sempre de uma objetividade mortal. Nunca se perdeu em adornos e volutas inconseqüentes. Mesmo seus dribles e malabarismos eram sempre trajetos inesperados de chegar ao gol.
Em vista disso, quem é mascarado? Romário ou Ronaldinho? Ou ambos? Ou nenhum dos dois? O que caracteriza a máscara? Discurso ou prática? A máscara se manifesta pela boca ou pelos pés?
Tenho lido e ouvido essa palavra sendo usada para rotular atletas díspares, como Edmundo, Diego, Marcelinho Carioca, Djalminha, Roberto Carlos... O que eles têm em comum?
Minha impressão é que, talvez sem perceber, o torcedor usa a palavra máscara numa acepção quase literal, para acusar a distância entre o ser e a aparência. Quer dizer: mascarado é aquele cujas realizações não correspondem à presunção. O que vemos é a máscara, não o verdadeiro rosto.
Pelé chegou a se comparar a Beethoven e a Michelangelo. Ninguém, que eu saiba, chamou-o de mascarado. Talvez porque, simplesmente, a obra estivesse à altura do discurso.

A força do San-São
Amanhã, no Morumbi, o São Paulo vai entrar em campo contra o Santos com uma dupla motivação: 1) conquistar três pontos preciosos para manter a esperança de ser campeão; 2) salvar a honra ferida pela desclassificação na Copa Sul-Americana diante de um rival desfalcado de suas principais estrelas. O Santos, por sua vez, joga para tentar recuperar a liderança ou, pelo menos, continuar encostado no Atlético-PR. É jogo para encher o Morumbi.

Furacão no Parque
Outro jogaço deve ser o de hoje, no Parque Antarctica, entre o Palmeiras e o líder Atlético-PR. Resta saber se o Furacão, que perdeu Dagoberto por contusão, saberá manter seu ritmo arrasador sem um de seus principais articuladores.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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