São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

RITA SIZA

Símbolo do desgoverno


No Iraque da democracia, também já é tempo de deixar o futebol ser apenas futebol

Prosseguindo no tema da mistura entre futebol e política abordado na semana passada, vou falar de uma notícia sobre uma nova ameaça de suspensão da Associação de Futebol do Iraque pela Fifa, por uma série de razões, todas elas más: suspeitas de corrupção, sectarismo político, interferência do governo, ameaças de violência, assalto policial...
A organização vive desgovernada há anos, e a mais recente tentativa de eleger uma cúpula e reconstituir uma gestão normalizada capaz de promover a prática desportiva redundou em fracasso. Em julho, as eleições foram adiadas depois de o exército ter irrompido pela sede da associação de futebol com um mandato de captura do presidente Hussein Saeed -que pelos vistos está fugido-, e uma nova votação ainda não foi convocada.
Saeed, que é recandidato ao cargo, é um sunita acusado de estar ligado ao antigo regime de Saddam Hussein. O seu opositor, o xiita Falah Hassan, tem o apoio do governo -ou melhor, da maioria xiita que aspira constituir governo, já que, mais de meio ano após as eleições que não deram maioria a ninguém, os partidos não conseguiram negociar a formação de um governo nem indicar um primeiro-ministro.
Nos últimos dois anos, a Fifa suspendeu o Iraque duas vezes. Em maio de 2008, porque o governo liquidou todas as organizações desportivas do país. E em novembro de 2009, após o comitê olímpico do Iraque ter feito um "golpe" sobre a associação de futebol, alegando irregularidades financeiras e administrativas.
Como assinalava Marina Hyde, no "The Guardian", hoje é "perfeitamente normal" usar o futebol como símbolo da unidade nacional ou factor de desestabilização sectária; agente de mudança social ou esperança da regeneração urbana. Vale tudo, diz ela, "qualquer coisa menos aquela coisa prosaica de duas equipas de onze a chutar uma bola".
Em 2004, o presidente dos EUA George W. Bush não hesitou em usar a selecção de futebol iraquiana na sua campanha, para provar ao eleitorado americano como tinha sido correcta a sua decisão de depor Saddam e invadir o país. "A democracia triunfou sobre o terror", garantia o republicano, enquanto os soldados do seu país se entrincheiravam em Fallujah numa ofensiva sangrenta.
"Claro que a democracia é preferível, mas a interferência e os subornos destruíram a nossa associação de futebol", explicava esta semana o antigo presidente da Associação de Atletismo do Iraque Khaled Tawfic em entrevista ao "The Times".
Enquanto isso, os jogadores não podem jogar e os torcedores não podem torcer. No Iraque também já é tempo de deixar o futebol ser só futebol.


Texto Anterior: Potência do petróleo, cidade de Macaé tem equipe de futebol em ascensão
Próximo Texto: Insanidade
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.