São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

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JOSÉ ROBERTO TORERO

A areia na ampulheta


Por uma tese meio esdrúxula, todo torcedor com mais de 20 anos já viu de tudo na vida, é praticamente um ancião


TODO TORCEDOR é um velho.
Está bem, todo é exagero. Mas em verdade vos digo que todo torcedor com mais de 20 anos já é praticamente um ancião. Vou explicar melhor.
Assim como os cachorros, a vida de um jogador de futebol dura uns 14 ou 15 anos.
Ele começa a aparecer ali pelos 19, 20 anos e lá pelos 30 e poucos já é um veterano. Se passa dos 35, é considerado um dinossauro. Ora, se a vida média de um homem está ali pelos 70 anos e a vida de um jogador ali pelos 14, cada ano de um vale por cinco dos do outro. E nós, como torcedores, sofremos o mesmo efeito do tempo.
A tese é meio esdrúxula e precisa de uns exemplos. Peguemos então um torcedor corintiano de 20 anos.
Suponhamos que ele tenha começado a torcer aos 10. Sendo assim, pela minha lógica, ele já é um sexagenário, pois obedeceria à seguinte equação: 10 + (10 x 5) = 60. E este velho jovem torcedor realmente já viu de tudo na vida. Já viu seu time ser campeão mundial, já o viu perder seus melhores jogadores e tornar-se medíocre, já o viu se reerguer com o misterioso dinheiro de Kia e ganhar um Brasileiro, já o viu, com lágrimas nos olhos, ser rebaixado para a Série B, e já o viu, de novo entre lágrimas, retornar gloriosamente para a Série A. E isso sem falar de Ronaldo, uma história que mal começou. Não é assunto para toda uma vida?
Mas o principal fato que dá essa aceleração do tempo é que o torcedor vê nascerem e morrerem várias gerações de jogadores.
A bela leitora de 30 anos que me lê entre torradas diet no café da manhã talvez já não encontre mais nenhum jogador de seus tempos de menina em campo. Por exemplo, do time campeão brasileiro pelo Vasco em 1989 (Acácio, Luiz Carlos Winck, Quiñonez, Marco Aurélio, William, Mazinho, Zé do Carmo, Boiadeiro Bebeto, Bismarck e Sorato), creio que somente Sorato, que fará 40 anos em abril, continua na ativa (está no Tigres, do Rio de Janeiro, mas ainda não marcou nenhum gol neste Estadual).
Os torcedores trintões muitas vezes se pegam conversando sobre um jogador como dois aposentados na fila do INPS, que quando se encontram dizem coisas como: "Sabe o Eliezer? Está na UTI. Acho que agora ele vai de vez...". Só que, no caso dos torcedores, a conversa é um pouco diferente: "Sabe o Giovanni? Está lá em Mogi Mirim. Acho que depois do Paulista ele para de vez...".
Mas suponhamos que o leitor que agora me lê na tela de seu computador tenha seus vigorosos 38 anos. Nesse caso, pelas minhas contas, terá 200 primaveras. Ou outonos. Matematicamente falando: 10 + (38 x 5) = 200.
Este leitor bicentenário já terá visto de tudo. Já terá visto jogadores medíocres que chegaram à glória, promessas que não deram em nada, gols no primeiro e último minuto, juízes roubando de diversas formas, conquistas memoráveis e derrotas inesquecíveis.
E o mais curioso é que mesmo assim ele não estará enjoado de futebol. Da mulher, do trabalho, do chefe, da casa, do carro ou do próprio travesseiro, talvez. Mas não do futebol. Eis aí um mistério.

torero@uol.com.br


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