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FUTEBOL
Três dias na corte
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Caro leitor, nesta terça-feira peguei meu melhor (e único) terno, minha melhor (e única)
gravata, um par de tênis (não tenho um único par de sapatos) e
fui para Brasília assistir aos depoimentos que seriam dados às
CPIs da Nike e do Futebol.
Foi divertido. Pela tevê vê-se
apenas o depoente e os perguntadores, mas no plenário há muitos
outros detalhes. Vê-se, por exemplo, o batalhão de jornalistas se
acotovelando antes de a porta
abrir; vêem-se as câmeras de tevê
lutando por uma posição no fundo da sala; e vêem-se os fotógrafos
disparando seus flashes cada vez
que um entrevistado faz algum
gesto diferente com as mãos ou
coça o nariz.
Também há personagens que
não se suspeita que estejam ali.
Por sorte, ou azar, sentei ao lado
de um destes durante o depoimento de Zagallo. Era um funcionário da CBF que falava ao celular todo o tempo, repassando os
depoimentos e, às vezes, até colocando o celular na caixa de som
para que se escutasse a sessão do
outro lado da linha. E, durante a
fala um tanto atrapalhada de Zagallo, ele lamentou ao celular:
"Quando vem uma pessoa assim,
a gente tem que preparar antes."
Se fosse um jogo, o depoimento
de Zagallo seria um daqueles em
que um time (o dos perguntadores) ataca sem muita coordenação, e o outro (o respondedor) se
defende com chutões para o alto.
O Lobo tentou passar por cordeiro, e seguiu o exemplo do presidente Fernando Henrique Cardoso, criador da política do "Não é
comigo".
Na partida seguinte, a entrevista de Juca Kfouri na CPI do Futebol, a coisa foi diferente. Parecia
mais um amistoso, onde as duas
equipes estavam dispostas a colaborar. É verdade que as perguntas não foram grande coisa e alguns senadores falaram mais para aparecer na TV Senado do que
para conseguir novas informações. Mesmo assim, a exposição
de Kfouri sobre os males do futebol foi clara e objetiva, e ele entregou duas pastas de documentos
aos senadores que devem ser as
próximas atrações desta CPI.
No final do dia, o terceiro jogo:
os médicos da seleção Lídio Toledo e Joaquim da Matta falaram à
CPI da Nike. Nova partida sem
grandes emoções e atuações discretas, salvando-se apenas o deputado José Rocha (PFL-BA e Vitória da Bahia), que é médico e
deu a entender que os doutores
da seleção tiveram um procedimento errado em relação a Ronaldinho, deixando-o dormir em
vez de levá-lo imediatamente para uma clínica. A desculpa dos
médicos foi que estavam sob pressão. Mais ou menos a mesma coisa que um bombeiro falar que
não apagou um incêndio porque
não suporta calor.
Mas a melhor partida que vi
nestes meus três dias na corte foi a
de Edmundo. Quando ele entrou,
dezenas de câmeras fotográficas
foram disparadas, nove câmeras
de televisão começaram a funcionar e a taquígrafa suspirou. Muitos tiveram que espremer-se pelo
corredor. Entre estes, eu, que suava feito um camelo e por pouco
não usava minha gravata como
lenço para enxugar meu suor.
Edmundo contou que na preleção antes da final contra a França, foi colocado por Zagallo como
um novo Amarildo, aquele que
substituiu Pelé, e bem, na Copa de
62; contou que Zagallo estava no
quarto de Ronaldinho logo depois
do ataque (Zagallo afirmou que
estava dormindo) e revelou um
novo personagem, o Homem da
Nike, o diretor de marketing Luís
Alexandre, que acompanhava
permanentemente a delegação.
Edmundo dominou a partida e
só teve que defender um chute do
deputado Nelo Rodolfo (PMDB-SP e Palmeiras), que falou que o
jogador não era exatamente um
santo, que não pagava imposto de
renda etc... O contra-ataque foi
muito eficiente. Dizendo "quem
não tem problemas, que atire a
primeira pedra", o atacante conseguiu palmas dos boys e secretárias presentes ao plenário. Foi o
melhor dos quatro jogos que vi
nos estádios do Congresso e o assessor da CBF teve que usar seu
celular várias vezes.
Essas partidas, mais do que as
da Copa JH, é que vão decidir o
futuro do futebol nacional; partidas jogadas por homens de ternos
e não de uniformes, de sapatos e
não de chuteiras.
E-mail torero@uol.com.br
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