São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2000

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FUTEBOL
Três dias na corte

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Caro leitor, nesta terça-feira peguei meu melhor (e único) terno, minha melhor (e única) gravata, um par de tênis (não tenho um único par de sapatos) e fui para Brasília assistir aos depoimentos que seriam dados às CPIs da Nike e do Futebol.
Foi divertido. Pela tevê vê-se apenas o depoente e os perguntadores, mas no plenário há muitos outros detalhes. Vê-se, por exemplo, o batalhão de jornalistas se acotovelando antes de a porta abrir; vêem-se as câmeras de tevê lutando por uma posição no fundo da sala; e vêem-se os fotógrafos disparando seus flashes cada vez que um entrevistado faz algum gesto diferente com as mãos ou coça o nariz.
Também há personagens que não se suspeita que estejam ali. Por sorte, ou azar, sentei ao lado de um destes durante o depoimento de Zagallo. Era um funcionário da CBF que falava ao celular todo o tempo, repassando os depoimentos e, às vezes, até colocando o celular na caixa de som para que se escutasse a sessão do outro lado da linha. E, durante a fala um tanto atrapalhada de Zagallo, ele lamentou ao celular: "Quando vem uma pessoa assim, a gente tem que preparar antes."
Se fosse um jogo, o depoimento de Zagallo seria um daqueles em que um time (o dos perguntadores) ataca sem muita coordenação, e o outro (o respondedor) se defende com chutões para o alto. O Lobo tentou passar por cordeiro, e seguiu o exemplo do presidente Fernando Henrique Cardoso, criador da política do "Não é comigo".
Na partida seguinte, a entrevista de Juca Kfouri na CPI do Futebol, a coisa foi diferente. Parecia mais um amistoso, onde as duas equipes estavam dispostas a colaborar. É verdade que as perguntas não foram grande coisa e alguns senadores falaram mais para aparecer na TV Senado do que para conseguir novas informações. Mesmo assim, a exposição de Kfouri sobre os males do futebol foi clara e objetiva, e ele entregou duas pastas de documentos aos senadores que devem ser as próximas atrações desta CPI.
No final do dia, o terceiro jogo: os médicos da seleção Lídio Toledo e Joaquim da Matta falaram à CPI da Nike. Nova partida sem grandes emoções e atuações discretas, salvando-se apenas o deputado José Rocha (PFL-BA e Vitória da Bahia), que é médico e deu a entender que os doutores da seleção tiveram um procedimento errado em relação a Ronaldinho, deixando-o dormir em vez de levá-lo imediatamente para uma clínica. A desculpa dos médicos foi que estavam sob pressão. Mais ou menos a mesma coisa que um bombeiro falar que não apagou um incêndio porque não suporta calor.
Mas a melhor partida que vi nestes meus três dias na corte foi a de Edmundo. Quando ele entrou, dezenas de câmeras fotográficas foram disparadas, nove câmeras de televisão começaram a funcionar e a taquígrafa suspirou. Muitos tiveram que espremer-se pelo corredor. Entre estes, eu, que suava feito um camelo e por pouco não usava minha gravata como lenço para enxugar meu suor.
Edmundo contou que na preleção antes da final contra a França, foi colocado por Zagallo como um novo Amarildo, aquele que substituiu Pelé, e bem, na Copa de 62; contou que Zagallo estava no quarto de Ronaldinho logo depois do ataque (Zagallo afirmou que estava dormindo) e revelou um novo personagem, o Homem da Nike, o diretor de marketing Luís Alexandre, que acompanhava permanentemente a delegação.
Edmundo dominou a partida e só teve que defender um chute do deputado Nelo Rodolfo (PMDB-SP e Palmeiras), que falou que o jogador não era exatamente um santo, que não pagava imposto de renda etc... O contra-ataque foi muito eficiente. Dizendo "quem não tem problemas, que atire a primeira pedra", o atacante conseguiu palmas dos boys e secretárias presentes ao plenário. Foi o melhor dos quatro jogos que vi nos estádios do Congresso e o assessor da CBF teve que usar seu celular várias vezes.
Essas partidas, mais do que as da Copa JH, é que vão decidir o futuro do futebol nacional; partidas jogadas por homens de ternos e não de uniformes, de sapatos e não de chuteiras.
E-mail torero@uol.com.br


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