São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2000

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Cachês aumentam, e jogadores passam a anunciar produtos sofisticados

Garotos-propaganda

RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL

No começo do século, eles eram contratados por lojas para aparecer em determinados horários para atrair freguesia. Depois começaram a fazer reclames, recebendo como pagamento caixas do produto anunciado.
Hoje em dia, porém, os jogadores ganham fortunas para associar sua imagem a produtos, como o US$ 1 milhão anual que Ronaldo, da Inter de Milão, recebe da multinacional Nike.
"Historicamente, a publicidade se alimenta de heróis, e o esporte cria heróis o tempo todo", afirma Washington Olivetto, presidente da agência W/Brasil.
A linhagem de futebolistas que viraram garotos-propaganda começa com o atacante Leônidas da Silva. E isso se deu justamente após ter sido o artilheiro da Copa do Mundo de 1938.
Considerado o criador da jogada de bicicleta, ele impressionou os anfitriões franceses, que lhe deram o apelido de Diamante Negro. Essa alcunha acabou virando na década de 40 uma marca de chocolate existente até hoje.
Para negociar com a empresa Lacta, Leônidas contratou o jornalista José Maria Scassa. Por ter cedido os direitos, recebeu da fábrica 2 contos de réis (valor equivalente a R$ 3.250,00).
O acerto foi bem mais vantajoso com a companhia Sudan, a maior indústria tabagista do país à época. O jogador levou 15 contos (R$ 24.375,00) para emprestar seu nome para os cigarros Leônidas, que vinham com figurinhas de suas jogadas dentro do maço.
Esses ganhos representavam apenas um reforço no seu orçamento, afinal, ele tinha um salário anual de 50 contos (R$ 53 mil).
Mas sua primeira propaganda lhe valeu apenas uma caixa de goiabada. O atacante visitou a fábrica Peixe e, distraidamente, assinou um autógrafo com dedicatória para a empresa.
No dia seguinte, sem sua autorização, sua foto e seu escrito estavam estampados em todos os jornais em um anúncio enorme.
O pagamento em espécie se repetiu com o ponta Garrincha.
Ele viveu seu momento de garoto-propaganda depois da conquista do bicampeonato mundial, no Chile, em 1962.
O primeiro anúncio foi para as lojas Ducal. O slogan, de duplo sentido, era: "Garrincha avisa aos papais: são duas por dia".
Na verdade, a frase queria promover o sorteio de duas bicicletas Monark entre os consumidores de suas roupas.
Em outro reclame, para as alpargatas Sete Vidas, aparecia uma fotonovela explorando a coincidência de o jogador número 7 ter sete filhas. Parte do pagamento foi em espécie e as filhas do craque deixaram de andar descalças pelas ruas de Pau Grande.
A grande guinada, porém, se deu com Pelé. O contrato entre o melhor jogador do século com a Warner Communication rendeu US$ 9 milhões ao brasileiro.
Em outro contrato polpudo, Pelé recebeu US$ 8 milhões da Mastercard, tendo de participar de 126 eventos pelo mundo. O santista vendeu de moto a televisores, de café a vitaminas como o Vitasay.
"Comerciais com Pelé todo mundo já viu uns 400. Ninguém presta mais atenção. É preciso trazer uma celebridade como ele de um jeito inovador. Ou não funciona", diz Fábio Fernandes, diretor de criação da agência F/Nazca.
E tanta publicidade também gerou alguns problemas. Em 1991, fez uma campanha para a Vasp, mas, como ele viajava só de Varig, o contrato foi rompido. Em 1989, o consórcio O Rei foi acusado de atos ilícitos, dando um golpe nos consorciados e chegando a ter os bens bloqueados.
No começo da carreira. Ele quase lançou uma aguardente com seu nome. Isso aconteceu em 1958, após a Copa do Mundo. Recebeu a proposta para lançar a Caninha Pelé, ganhando o equivalente a R$ 900 anualmente durante uma década. Em um primeiro momento, não aceitou.
Mas Dondinho, pai de Pelé, renegociou e fechou um contrato por R$ 9.000 ao ano. Feito o acordo, Pelé recuou, tendo sido aconselhado por Zito a desistir do negócio, que poderia não pegar bem para a sua imagem. Prometeu, então, que nunca mais iria associar sua imagem ao tabaco e ao álcool.
Hoje há um acordo tácito entre os atletas de não anunciar cigarros ou bebida, ficando de fora apenas as cervejas, fortes anunciantes de eventos esportivos.
Apesar de ter feito publicidade de lâmina de barbear e carro, o meia Gérson acabou ficando tristemente célebre pelo slogan do cigarro Vila Rica -recebeu por mês Cr$ 500 mil (R$ 9.040,00).
Uma frase do script ("Eu gosto de levar vantagem em tudo, certo?") acabou sendo mote para a chamada "lei de Gérson", uma síntese do individualismo nativo.
Gérson rejeitou várias vezes a interpretação que deram a sua fala comercial, mas ele acabou pagando caro por se encaixar no perfil falastrão e exagerado.


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