São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2000

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FUTEBOL

Técnico do São Caetano, que discorda da fama de nadar, nadar e morrer na praia, é fã de literatura de auto-ajuda

"Vice", Picerni pensa em lançar um livro

FÁBIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Em meados dos anos 80, quando sua carreira de treinador começava a decolar, Jair Picerni, 55, hoje no São Caetano, tinha a fama de obter bons resultados, chegar à reta final, mas, na hora do vamos ver, deixar o título escapar.
Tudo começou em 1981. Estreando na profissão, ele levou a Ponte à decisão do Paulista, mas o título ficou com o São Paulo.
Em 84, amargou dois vices: um do Paulista, perdido para o Santos no último jogo do segundo turno, outro com a seleção brasileira olímpica. Nos Jogos de Los Angeles-84, com um time desacreditado e composto predominantemente por jogadores do Internacional, o Brasil de Picerni perdeu o ouro para a França.
No ano seguinte, à frente da Lusa, foi novamente vice no Paulista. O campeão foi o São Paulo.
A única conquista nacional de Picerni é contestada por alguns e ignorada pela maioria.
Em 1987, o Sport, treinado por Emerson Leão, conquistou o Módulo Amarelo da Copa União. Pela recusa de Inter e Flamengo em disputar o título brasileiro com o time pernambucano e o Guarani, a CBF determinou que os vencedores do Módulo Amarelo se enfrentassem para definir o campeão, mas Leão deixou o Sport.
Picerni assumiu, e com a equipe montada pelo antecessor, foi campeão brasileiro.
Por ironia do destino, o primeiro título significativo de um time formado e conduzido por ele pode vir só agora, com quase 20 anos de carreira e, mais incrível ainda, à frente de uma equipe pequena, de apenas 11 anos, que jamais disputou a primeira divisão do futebol de seu Estado.
"Você está lembrando isso, mas, a mim, isso não quer dizer nada. Você acha que em 84 fomos vice, eu vejo como medalha de prata", afirma Picerni, para quem os títulos são apenas um dado a mais no conjunto do seu trabalho.
"Sempre tive uma média muito boa por onde passei. Vejo a carreira como um todo: a sequência de um trabalho, a construção de uma equipe."
Pode parecer desculpa, mas uma olhada no currículo de Picerni mostra que o discurso faz sentido. Afinal, como explicar suas duas passagens pelo Nacional da ilha da Madeira, de Portugal?
Na primeira, entre 89 e 91, pegou o time nos últimos lugares do Português e tornou-o competitivo, alcançando uma façanha histórica: em 90, o Nacional quebrou uma invencibilidade de 10 anos do Porto no estádio das Antas.
Em 96, na sua segunda passagem, encontrou a equipe na segunda divisão e foi campeão do torneio de acesso.
Com o São Caetano, que assumiu em fevereiro deste ano e foi campeão da Série A-2 (segunda divisão) do Paulista, seus números são impressionantes. Até agora foram 53 jogos, com 36 vitórias, 12 empates e apenas 5 derrotas. A artilharia da "era Picerni" é ainda mais vistosa: 128 gols marcados, 55 sofridos, saldo de 73.
O espírito ofensivo de Picerni vem, segundo o próprio técnico, dos tempos de jogador.
Embora fosse lateral numa época em que os jogadores dessa posição eram essencialmente defensores, ele conta que vivia no ataque. "Atuava como um ala", diz.
Seu maior momento como atleta foi em 1977, na Ponte Preta que terminou vice-campeã paulista.
Coqueluche da Copa João Havelange, o São Caetano chegou à decisão do torneio atropelando favoritos como Fluminense, Palmeiras e Grêmio. Antes, disputara o Módulo Amarelo, do qual foi vice-campeão.
Com jogadores desconhecidos, o time do ABC paulista surpreendeu a todos -não a Picerni.
"Sinto prazer em pegar uma equipe no anonimato, fazer uma boa base, desenvolver um trabalho de campo e então jogar de igual para igual com os grandes."
Além do São Caetano e do Nacional da Madeira, já fez isso com Santo André, Inter de Limeira, Ponte Preta...
Trabalhou em "uns 15 clubes". Além de Portugal, teve outra experiência internacional, em 86, nos Emirados Árabes.
A longa carreira -e o gosto pela literatura de auto-ajuda- vem amadurecendo a cada dia uma idéia na cabeça de Picerni. "Tenho condições de escrever um livro. Não digo que seja uma idéia fixa, mas é uma hipótese. Já andei muito por aí, vivi muitas coisas. E gosto de ler. Tudo o que leio passo para eles (os jogadores)."
Outro legado que Picerni espera deixar para o futebol brasileiro é o seu próprio trabalho. Para o técnico, o jogo vistoso e ofensivo do São Caetano, exaltado por muitos como uma "volta às origens" do futebol nacional, deve mesmo servir como uma referência.
"Acredito que a gente possa passar uma mensagem, uma filosofia. Seria um bem para o futebol reativar o ataque, o espetáculo, o futebol para frente."
A ótima campanha do São Caetano despertou o interesse de vários clubes pelo trabalho de Picerni, mas ele diz que pretende seguir na equipe do ABC, que disputará no próximo ano a Libertadores e a Copa Mercosul, além da divisão de elite do Paulista. Afinal, como afirma o treinador, ""o projeto aqui me anima".


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