São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2006

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Cuba perde negócios e mão-de-obra no Brasil

Exportação de técnicos desaba, escritório fecha, e nem Pan do Rio atenua crise

Profissionais que continuam fora da ilha cortam vínculos com o governo, que chegou a ter 89 cubanos no Brasil e hoje mantém "dois ou três"

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Otilio Toledo, treinador cubano que está no Brasil desde 2000


GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Bernardo Peñaler sempre serviu Cuba com devoção.
Como treinador de beisebol, virou produto de exportação e ensinou os macetes da modalidade nas Antilhas Holandesas, no México e na Venezuela.
Ficava apenas com 25% do salário que recebia. O restante era enviado ao país natal.
O esporte ainda assegura seu sustento longe de casa. Só que no Brasil, sua nova morada, os rendimentos não são repartidos com o governo cubano.
Peñaler deixou de atuar como funcionário da Cubadeportes S.A., empresa criada para exportar técnicos da ilha caribenha. Preferiu negociar contrato próprio, sem intermediários, para dar aulas de beisebol.
"Às vezes criamos raízes nos lugares e decidimos seguir nossas aspirações. Sempre servi minha pátria. Agora, tenho meus projetos pessoais", afirma o treinador de 45 anos.
Caminhos semelhantes seguidos por seus pares construíram um cenário curioso às vésperas do Pan-Americano do Rio. O Brasil, um mercado outrora vigoroso para a exploração, não dá mais lucro aos cubanos. E nem o principal evento esportivo das Américas conseguiu mudar tal situação.
A Cubadeportes fechou o escritório que mantinha no Brasil. De acordo com Angel Iglesias, vice-presidente do Instituto Cubano de Deportes, Educación Fisica y Recreación, órgão equivalente ao Ministério do Esporte, a parceria esfriou.
"Temos poucos treinadores, talvez dois ou três, trabalhando pelo nosso governo. É pouco. Vamos incrementar isso em 2007", afirmou à Folha.
Atingir os números do passado, contudo, é uma tarefa espinhosa. Com Fidel Castro no poder -está atualmente afastado por motivo de saúde-, a ilha chegou a manter 89 treinadores em atividade no Brasil.
Perder espaço significa menos dinheiro para fazer a engrenagem estatal funcionar, já que os valores obtidos com o envio de know-how esportivo ao exterior sustentam a estrutura de potência olímpica esquadrinhada em Cuba.
Com 11,3 milhões de habitantes, o país ganhou 158 medalhas olímpicas desde que Fidel chegou ao poder, em 1959. Mesmo com duas edições a mais (Los Angeles-1984 e Seul-1988), que a ilha boicotou por razões políticas, o Brasil não chega nem perto -soma apenas 68 pódios no período.
"Está acontecendo uma saída de técnicos e atletas. É uma questão econômica. Por mais que haja atenção ao esporte em Cuba, outros países oferecerem coisas que demoraríamos um ano ou mais para ganhar", alega Francisco Ferrer Matos.
O treinador comandou a seleção cubana de saltos ornamentais por 32 anos. Em 1996, recebeu uma proposta para um trabalho temporário em Brasília via Cubadeportes. Dois anos depois, apaixonado por uma brasileira, decidiu ficar. Não renovou o contrato e hoje é técnico da seleção que veste uniforme verde-amarelo.
A dificuldade para exportar treinadores ao Brasil, porém, pode ser apenas a face mais visível de um problema que tem raízes mais profundas.
"A Cubadeportes já fechou o escritório no Brasil outras vezes e abriu em outros lugares com mais demanda. Isso é normal. O problema é que a base cubana está danificada. O país perde postos que ocupava no atletismo, no boxe, no vôlei. Isso é resultado da crise", opina Otilio Toledo, diretor da equipe brasileira olímpica de boxe.
Ele chegou a São Paulo em 1997 para ministrar aulas em uma academia. Ao fim de seu contrato, voltou para Cuba, casou-se com uma brasileira e retornou ao Brasil em 2000.
Como seus pares, não enxerga muitas soluções para a terra natal retomar os dias de glória em campos, quadras e pistas.
Mas joga um balde de água fria nos que acreditam que, sem Fidel, a força esportiva vai acabar. "Os cubanos sabem que o esporte é uma forma de educar pessoas. É uma prioridade."


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