São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

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FUTEBOL

A prancheta dos técnicos

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Antes do amistoso contra a Irlanda, Parreira assistiu a várias partidas na Europa, disse que a maioria das equipes joga no tradicional 4-4-2 e que o futebol está globalizado. O mundo também está globalizado, mais louco, violento e injusto.
Mas o Parreira não precisava viajar para constatar isso, já que a maioria das partidas passa nas televisões do Brasil. Poucos grandes times, como a Roma e a Inter na Itália e também a seleção argentina, ainda jogam com três zagueiros e dois alas. Alguns técnicos brasileiros adoram esse esquema. Parece que são modernos. Desconhecem a realidade.
O esquema tático tradicional, com quatro defensores, quatro no meio-campo (dois volantes e um meia de cada lado) e dois atacantes, começou em 1966, com a seleção inglesa campeã do mundo. Após 38 anos, pouco mudou.
Há algumas variações. Na Inglaterra, os quatro do meio-campo formam uma linha, que avança e recua em bloco. Dependendo do posicionamento desses jogadores, o time será mais ofensivo ou defensivo. A melhor maneira para jogar na defesa e no contra-ataque é formar duas linhas de quatro bem recuadas, sem espaço entre elas.
No Brasil, as equipes que jogam com quatro no meio-campo têm um volante mais recuado, que se posiciona quase como um terceiro zagueiro, para deixar os laterais apoiarem. Na Europa, os laterais são essencialmente marcadores. Por isso, os dois volantes marcam mais na frente.
Algumas equipes da Europa, em vez de ter um armador mais ofensivo de cada lado, utilizam jogadores velozes que defendem e atacam como pontas. A Espanha e as equipes da Holanda jogam dessa forma. No Brasil, são os laterais que avançam pelas pontas.
A mais comum variação no Brasil do tradicional 4-4-2 é, em vez de quatro, formar uma linha de três no meio-campo e colocar um quarto armador mais adiantado, próximo dos dois atacantes. A seleção brasileira, Cruzeiro, Santos, Flamengo, Milan e muitas outras equipes atuam assim. Essa maneira de jogar tornou-se freqüente na Europa.
No esquema tradicional com dois volantes e um meia de cada lado, falta esse armador de ligação pelo meio. Algumas equipes, como o Real Madrid, recuam um dos atacantes para fazer essa função. O Real joga com dois volantes, Figo de um lado, Zidane do outro e o Raúl pelo meio, próximo ao Ronaldo. Quando o time recupera a bola, Figo, Zidane e Raúl se transformam em atacantes.
Na seleção brasileira, Milan e Cruzeiro, há três no meio-campo, dois meias ofensivos e um único atacante fixo. Na prática, são três atacantes, já que os dois meias recuam somente para receber a bola e não participam da marcação no meio-campo.
Outros times jogam com três no meio-campo e três autênticos atacantes (dois pelos lados e um centroavante). O Corinthians jogava dessa forma quando era dirigido pela Parreira. Os dois "pontas" também recuam para marcar os laterais.
Todos os esquemas táticos têm vantagens e desvantagens. O melhor vai depender do momento da partida, do adversário e das características dos jogadores. Alguns técnicos, apaixonados pela prancheta, se sentem mais importantes do que os atletas. É o craque que faz a diferença.

Passado e futuro
Na final do primeiro turno do Estadual do Rio, o time organizado do Flamengo foi muito melhor do que o desorganizado do Fluminense. Enquanto o Flamengo tinha três no meio-campo, que marcavam e avançavam, no Fluminense só havia dois, que ainda corriam atrás do Felipe nas laterais. Ficou um buraco no meio. Roger e Ramon somente recuavam para receber a bola. Os dois não são atletas de meio-campo.
Se Felipe continuar dando show, Zinho mantiver o ritmo e os jovens promissores evoluírem, o Flamengo poderá se tornar um dos grandes no Campeonato Brasileiro. Ainda não é.
No imaginário de muitas pessoas, o Fluminense era favorito porque tinha quatro craques, um quarteto fantástico. Edmundo e Romário não são mais os jogadores que foram. Ramon e Roger são excelentes, mas nunca foram craques. Isso não significa que eles e o time não possam melhorar e ganhar o título carioca, já que os principais adversários estão mais ou menos no mesmo nível.
A conquista da Taça Guanabara foi uma vitória do novo sobre o antigo, do futuro sobre o passado.

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