São Paulo, terça-feira, 25 de junho de 2002

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TURISTA OCIDENTAL

Em Saitama, assinatura de rádio custa o preço de uma pizza e ajuda a matar saudades da terra natal

A voz do Brasil

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SAITAMA

"Você está na rádio Alphasat, sistema Usen, canal Z11, via satélite para todo o Japão. A partir de agora, o Roger [está] te acompanhando até as 21h. Pode ir ligando para pedir a tua música predileta." Quem anuncia, às 16h de ontem, é o locutor paulista Rogério Mendes da Costa, o Roger, 31. A ouvinte Sheila, do Estado de Gunma, telefona em minutos com dois pedidos: "Oceano", com Djavan, e ""Depois do Prazer", com Alexandre Pires.
Para ouvir as canções, e toda a programação 24 horas ao vivo da emissora, não basta a Sheila ligar o rádio. Ela paga o equivalente a R$ 45 mensais, o preço de uma pizza tamanho médio da Pizza Hut na cidade de Saitama, na região em torno de Tóquio.
Saitama é a cidade na qual o Brasil enfrenta amanhã a Turquia na disputa por uma vaga na final da Copa do Mundo. E também onde a Alphasat está instalada num sobrado com dois estúdios.
Um sistema desse possivelmente teria dificuldade para vingar no Brasil, onde são comuns canais de rádio com sinal aberto ou vendidos em pacotes de TV por assinatura, e não isoladamente.
A mensalidade é indispensável para o cliente ter o codificador que lhe permite acessar, em todo o Japão, a única rádio com programação brasileira ininterrupta -exceção de algumas músicas pop e rock em inglês.
Não é preciso mergulhar em catataus de psicanálise para intuir o que faz 6.500 pessoas (68% homens e 32% mulheres) assinarem a emissora. A 12 horas de distância, o fuso horário, elas se dividem entre a vida real no Japão e a nostalgia do Brasil.
"Há muita carência", diz o mineiro Wander Rezende, 30, condutor do ""Bom Dia Japão", que abre a programação matinal às 6h. Ele se acostumou a receber as mais diversas abordagens por telefone e e-mail.
Num dia, é uma mulher, encantada com a voz de tenor, que insiste em saber quando ele vai se dispor a conhecê-la. No outro, um decasségui recém-desempregado que pede conselhos.
Wander lê o horóscopo, informa a previsão do tempo e lê notícias do Brasil. ""Tento passar uma palavra de otimismo: "Meu amigo, minha amiga, o trabalho enobrece e dignifica o ser humano"", afirma. A paulista Frida Bortulik, 37, apresentadora que rende Wander às 11h, também se habituou a abordagens de ouvintes solitários. ""O melhor é se fazer de desentendida e perguntar que música ele quer."
A rádio recebe por dia 30 telefonemas e 50 e-mails com pedidos de músicas. O número dobra nos fins de semana. Os 6.500 assinantes (audiência projetada de pelo menos o dobro) são 2,5% dos 260 mil brasileiros que vivem no Japão. O negócio cresce, mas ainda opera no vermelho.
Com o tempo, a Alphasat se estabeleceu como referência dos brasileiros no Japão. Lançou um programa de ensino de português e serve de ""pronto-socorro". Por exemplo: nos últimos dias, uma legião de torcedores procurou dicas sobre como comprar ingressos para o jogo de amanhã.
A emissora divulga todos os ritmos brasileiros -na madrugada desta terça, horário japonês, tocava uma música cantada pelo pagodeiro Belo, que está preso no Rio- a partir de uma cidade fascinada por música. Saitama mantém o John Lennon Museum, que preserva a memória do Beatle.
Os locutores, também imigrantes, colecionam histórias engraçadas. De como o barulhento tropeço do locutor paulista Fernando Pinheiro, o Nando, 22, foi transmitido ao vivo. Ou como, quando um apresentador não relatou que um ouvinte oferecia uma canção à sua mulher e a Frida Bortulik -citou só a segunda-, abriu-se uma crise conjugal.
Antes das "12 Mais do Dia", às 19h, o locutor Roger enche o peito e diz: "Aqui na estação que, como você, é mais Brasil".



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