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TURISTA OCIDENTAL
Em Saitama, assinatura de rádio custa o preço de uma pizza e ajuda a matar
saudades da terra natal
A voz do Brasil
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SAITAMA
"Você está na rádio Alphasat,
sistema Usen, canal Z11, via satélite para todo o Japão. A partir de
agora, o Roger [está] te acompanhando até as 21h. Pode ir ligando
para pedir a tua música predileta." Quem anuncia, às 16h de ontem, é o locutor paulista Rogério
Mendes da Costa, o Roger, 31. A
ouvinte Sheila, do Estado de Gunma, telefona em minutos com
dois pedidos: "Oceano", com Djavan, e ""Depois do Prazer", com
Alexandre Pires.
Para ouvir as canções, e toda a
programação 24 horas ao vivo da
emissora, não basta a Sheila ligar
o rádio. Ela paga o equivalente a
R$ 45 mensais, o preço de uma
pizza tamanho médio da Pizza
Hut na cidade de Saitama, na região em torno de Tóquio.
Saitama é a cidade na qual o
Brasil enfrenta amanhã a Turquia
na disputa por uma vaga na final
da Copa do Mundo. E também
onde a Alphasat está instalada
num sobrado com dois estúdios.
Um sistema desse possivelmente teria dificuldade para vingar no
Brasil, onde são comuns canais de
rádio com sinal aberto ou vendidos em pacotes de TV por assinatura, e não isoladamente.
A mensalidade é indispensável
para o cliente ter o codificador
que lhe permite acessar, em todo
o Japão, a única rádio com programação brasileira ininterrupta
-exceção de algumas músicas
pop e rock em inglês.
Não é preciso mergulhar em catataus de psicanálise para intuir o
que faz 6.500 pessoas (68% homens e 32% mulheres) assinarem
a emissora. A 12 horas de distância, o fuso horário, elas se dividem
entre a vida real no Japão e a nostalgia do Brasil.
"Há muita carência", diz o mineiro Wander Rezende, 30, condutor do ""Bom Dia Japão", que
abre a programação matinal às
6h. Ele se acostumou a receber as
mais diversas abordagens por telefone e e-mail.
Num dia, é uma mulher, encantada com a voz de tenor, que insiste em saber quando ele vai se dispor a conhecê-la. No outro, um
decasségui recém-desempregado
que pede conselhos.
Wander lê o horóscopo, informa a previsão do tempo e lê notícias do Brasil. ""Tento passar uma
palavra de otimismo: "Meu amigo, minha amiga, o trabalho enobrece e dignifica o ser humano"",
afirma. A paulista Frida Bortulik,
37, apresentadora que rende
Wander às 11h, também se habituou a abordagens de ouvintes solitários. ""O melhor é se fazer de
desentendida e perguntar que
música ele quer."
A rádio recebe por dia 30 telefonemas e 50 e-mails com pedidos
de músicas. O número dobra nos
fins de semana. Os 6.500 assinantes (audiência projetada de pelo
menos o dobro) são 2,5% dos 260
mil brasileiros que vivem no Japão. O negócio cresce, mas ainda
opera no vermelho.
Com o tempo, a Alphasat se estabeleceu como referência dos
brasileiros no Japão. Lançou um
programa de ensino de português
e serve de ""pronto-socorro". Por
exemplo: nos últimos dias, uma
legião de torcedores procurou dicas sobre como comprar ingressos para o jogo de amanhã.
A emissora divulga todos os ritmos brasileiros -na madrugada
desta terça, horário japonês, tocava uma música cantada pelo pagodeiro Belo, que está preso no
Rio- a partir de uma cidade fascinada por música. Saitama mantém o John Lennon Museum, que
preserva a memória do Beatle.
Os locutores, também imigrantes, colecionam histórias engraçadas. De como o barulhento tropeço do locutor paulista Fernando
Pinheiro, o Nando, 22, foi transmitido ao vivo. Ou como, quando
um apresentador não relatou que
um ouvinte oferecia uma canção à
sua mulher e a Frida Bortulik
-citou só a segunda-, abriu-se
uma crise conjugal.
Antes das "12 Mais do Dia", às
19h, o locutor Roger enche o peito
e diz: "Aqui na estação que, como
você, é mais Brasil".
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