São Paulo, Sexta-feira, 25 de Junho de 1999
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Ninguém comparou Edílson com Garrincha

JUCA KFOURI
Colunista da Folha

""Fizemos um amistoso do Botafogo, em Costa Rica, contra o Saprisa, time campeão de lá. Uma partida dura e tínhamos um adversário maior, que era o juiz. Ele estava atrapalhando tudo. Fazíamos gol e ele anulava. O time deles fez 1 a 0. Paulo Valentim empatou para o Botafogo. Nesse momento, o goleiro, cinicamente, pegou a bola no fundo da rede e bateu o tiro de meta. Agiu como se não fora gol. Deu a saída e a bola veio parar em mim. Então, peguei-a com a mão e protestei com o juiz. Houve muita confusão. No final ele validou o gol. O time do Botafogo ficou todo revoltado com a arbitragem e o Garrincha resolveu nos vingar. Pegou a bola, passou por dois ou três na defesa deles e ficou cara a cara com o goleiro. Driblava-o com o corpo, ameaçando que chutava e não chutava. Até que, já cansado, o goleiro distraiu-se, o Mané meteu a bola entre as pernas dele e fez o gol. No vestiário, o treinador, que era o Paulo Amaral, perguntou, indignado, ao Garrincha por que ele havia demorado tanto para fazer o gol, num jogo tão difícil daquele. Mané respondeu: "Paulo, ele não queria abrir as pernas"."
Eis aí um trecho do livro de Nilton Santos, ""Minha Bola, Minha Vida", da Editora Gryphus, 248 páginas.
Reproduzido em homenagem a todos aqueles que confundiram a alusão a Mané Garrincha com comparação entre ele e Edílson, algo que nem o maior dos hereges seria capaz.
E, em homenagem àqueles que, ainda sim, dirão que Mané queria fazer o gol, que a seu modo buscava a eficiência, reproduzo outro trecho das mesmas memórias do maior lateral-esquerdo da história do futebol brasileiro, ""A Enciclopédia do Futebol", como era chamado o compadre do Mané.
""Nessa mesma excursão, jogávamos contra o Reims e ganhávamos de 5 a 1. Faltavam apenas alguns minutos para o encerramento do jogo e o Zezé mandou prender a bola. Quando a determinação chegou na ponta-direita, Mané tomou-a ao pé da letra. Começou a driblar os beques, jogava entre as pernas deles, voltava e driblava de novo. Só se via gringo trombando um no outro. Driblou até gente do nosso time que se meteu na frente dele. Um carnaval. Quando o jogo acabou, Zezé (Zezé Moreira, o técnico, grifo meu) perguntou a ele, no vestiário, o porquê daquilo tudo. Ele, ingenuamente, respondeu: "Ué, seu Zezé, o senhor não mandou prender a bola?"."
E, aos que se manifestaram para dizer que nos dias que correm nem Mané nem Luisinho nem Canhoteiro teriam lugar em time algum, com todo respeito, só resta dedicar uma boa gargalhada.

O Data-JK informa: dos 382 e-mails que chegaram entre a noite de domingo e a manhã de quinta-feira sobre o episódio ""Brincadeira x Violência", 331 endossavam as posições de José Geraldo Couto, Jô Soares, Clóvis Rossi, Ivan Angelo, Mário Prata, Matinas Suzuki Jr. e desta coluna. É verdade que, entre os 51 que discordavam, havia alguns muito bem fundamentados e outros pra lá de mal-educados. É do jogo.
De qualquer jeito, e mesmo dando-se o desconto de que é mais comum receber mensagens de apoio do que de crítica, 86% é um índice bem ponderável. Viva a brincadeira!


Juca Kfouri escreve aos domingos, às terças e às sextas-feiras

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