São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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FUTEBOL

Almoço e jantar garantidos

FLÁVIO PRADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O importante jornal "Corriere Della Sera", da Itália, trouxe duas referências ao Brasil na sua edição da última sexta-feira. Uma entrevista com a brasileira Mirian, na página policial, e uma declaração do brasileiro Eriberto, na parte de esporte.
Mirian vive em Milão, trabalhando nas ruas, na noite. Saiu do Brasil para ser bailarina. Virou prostituta. Foi o jeito encontrado para "fugir da fome".
Bonita, encontrou vários interessados no seu trabalho. Explorada, resignou-se com o destino. E até confessa que vive bem. As roupas são boas, os perfumes poderiam ser de melhor gosto, mas, enfim, não falta almoço, jantar e até dá para mandar algum dinheiro para a família no Brasil.
Eriberto também resolveu se confessar. Ele é um "gato" do futebol. Em 1996, falsificou documentos, mudou de nome, largou o passado de miséria e apostou num sonho. O antigo Luciano Siqueira, de 20 anos, num passe de mágica virou Eriberto Silva da Conceição e passou a ter 16 anos.
Era fazer a "operação" ou passar fome. Com a bola, talvez o mundo mudasse para ele. E as coisas começaram a dar certo.
Jogando entre garotos, no Palmeiras, ele se destacou. As mesmas pessoas que lhe aconselharam a mudar de idade e nome resolveram levá-lo, de forma intempestiva, para a Europa.
O que teria a perder um negro pobre, com pouca escolaridade e sem perspectivas imediatas no time principal do Palmeiras?
E lá foi ele. De repente, seu nome falso virou notícia. Passou a comandar o pequeno Chievo, time que se tornou a sensação do Campeonato Italiano no ano passado. Jogava muito. As canelinhas magras corriam como nunca, e a fome ia ficando cada vez mais para trás.
Eriberto ficou muito importante. Sua vida melhorou, vieram um bom carro, roupas da moda, dinheiro e comida na hora certa, que era o principal.
Há alguns dias, ele quase foi para a Lazio, melhorando ainda mais de vida.
Não deu certo, mas hoje ele é o Eriberto, respeitado na Europa.
Não, ele não é o Eriberto.
Ele é o Luciano, aquele mesmo que queria fugir da pobreza e conseguiu. Embarcou num sonho, ou numa esperança, provavelmente a única, como a Mirian, de ter comida na mesa todo dia.
Eriberto afirma que carregava esse peso na consciência. E por essa razão revelou sua história. Agora ele está no Brasil tentando voltar a ser o Luciano. Retomar sua identidade.
Os diretores do Chievo têm demonstrado compreensão com o jogador. O Chievo foi criado por meio de uma empresa de panificadores de Verona e deu muito certo, quase chegando à Copa dos Campeões no ano passado. Mais do que poderiam prever no começo. Eriberto encontrou seu pão neste clube. Agora, quer sua identidade, enquanto Mirian prefere continuar sendo "só" a Mirian das noites de Milão. Não é a vida que ela projetou. Mas pelo menos a geladeira está cheia.

E o Ricardinho tirou as asas de gavião, passando a desfilar suas novas plumas no Morumbi a partir desta semana. Há uma grande discussão sobre a ética no caso.
Talvez possamos discutir o São Paulo, não esperando o final do contrato do Ricardinho e fazendo uma proposta de mais de R$ 15 milhões por quatro anos de contrato para o jogador.
Em Portugal, quando os jogadores ganharam a liberdade, também aconteceram assédios desse tipo seguidos de trocos no mesmo nível. Até que os clubes perceberam que era melhor deixar o mercado se acomodar e tudo voltou à normalidade, com ninguém invadindo a área de ninguém.
Quanto ao Ricardinho, até que deu chances demais ao Corinthians. Ele é um profissional que recebeu uma melhor proposta de trabalho. Se fosse tão fundamental como apregoou o Corinthians, teriam dado um jeito de segurá-lo, melhorando seu salário.
Já a torcida uniformizada, que está reclamando, não tem que ser levada em consideração. Há vários ex-ídolos do Corinthians passando necessidade, e nunca vi nenhuma uniformizada ajudando esse pessoal do passado.
Melhor o Ricardinho ouvir algumas ofensas agora e garantir seu futuro do que precisar de algum apoio lá na frente e não encontrar qualquer respaldo. Isso se não for proibido de entrar no clube, como já ocorreu até com o Basílio, o grande Pé-de-Anjo.

Flávio Prado, 48, é apresentador do Cartão Verde da Rede Cultura e comentarista da Rádio Jovem Pan.


Tostão, em férias, volta a escrever neste espaço em 4 de setembro.



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