São Paulo, domingo, 25 de outubro de 1998

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Estudioso dos Estados Unidos estuda voyeurismo esportivo e sua existência desde a Grécia Antiga
Esporte e erotismo

'Form by Tag Heuer'/Reprodução
O ginasta russo Vitaly Scherbo; estudioso norte-americano Allen Guttman analisa voyeurismo esportivo no livro 'O Erótico nos Esportes'


RODRIGO BERTOLOTTO
da Reportagem Local

O que há em comum entre atletas correndo nus na Grécia Antiga, damas medievais assistindo a um torneio de cavalaria e as atuais revistas de musculação?
Para o norte-americano Allen Guttmann, professor da Amherst College (Massachusetts), essas três coisas são provas de que o esporte tem um lado sexual intrínseco, e a única forma de acabar com essa relação é banir o próprio esporte.
Autor do livro "O Erótico nos Esportes" ("The Erotic in Sports", Columbia University Press, 256 páginas), Guttmann sabe que escolheu um tema difícil, afinal, é cheio de tabus e hipocrisia.
"Falar de erotismo para atletas pode ser tão embaraçoso quanto mostrar um filme de doenças venéreas para uma platéia adolescente", afirmou Guttmann em entrevista à Folha.
"Não há hoje mais erotismo no esporte do que no passado, mas acredito que as pessoas estão mais dispostas agora a admitir isso."
A pesquisa atravessa três milênios da história ocidental, analisando o lado erótico do esporte e suas manifestações na literatura, arte, televisão e cinema.
Seus trabalhos anteriores o ajudaram na análise. Afinal, Guttmann, depois de se doutorar, interessou-se por história e sociologia do esporte, escrevendo nos últimos dez anos livros como "Olimpíadas: Uma História dos Jogos Modernos", "Esporte Feminino: Uma História" e "Jogos e Impérios".
Tudo começa pela Grécia e pelos relatos dos antigos Jogos Olímpicos. "Os ginásios e os festivais esportivos eram lugares em que homens e garotos se exercitavam e competiam. Lá se formavam amizades, e as relações homossexuais eram também permitidas. Naquela época, não havia desonra nisso", afirma Guttmann.
O levantamento envolve uma rica bibliografia, com, por exemplo, obras do poeta Píndaro -que escreveu odes louvando os vitoriosos nas Olimpíadas- ou o viajante Pausanias, que é a principal fonte literária sobre os Jogos.
Cronologicamente, o Império Romano é próximo passo.
O acadêmico cita poetas como Ovídio e Juvenal -este último conta em um de seus escritos que os gladiadores eram considerados "sexualmente irresistíveis pelas mulheres aristocráticas".
O crescimento do Cristianismo marca, segundo Guttmann, o começo da segregação do esporte.
A Igreja Católica da época classificava as arenas romanas como "lugares de idolatria e perversão" e denunciavam a "sexualidade pagã" que existia nos esportes.
Para o estudioso, a opinião cristã sobre o erotismo no esporte nunca mudou, apesar de, a partir do século passado, surgir a Associação Cristã de Moços, instituição na qual foram criadas modalidades como o basquete e o vôlei.
Guttmann afirma não acreditar que essa "cristandade musculosa", como alguns autores a chamaram, signifique uma mudança.
"Os cristãos atuais aceitam o esporte, mas não o erótico que existe nele. A atividade esportiva controlaria os hormônios dos jovens, e a participação em um time certificaria que eles são heterossexuais."

Freudianos e feministas
Guttmann, porém, não limita os debatedores somente aos religiosos e também critica as posturas diante do esporte de escritores freudianos -seguidores das idéias do psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939)-, neomarxistas -continuadores da obra do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883)- e feministas.
"Os pensadores freudianos muitas vezes usam argumentos pouco plausíveis, comparando uma bola de rúgbi com um espermatozóide, um bastão de beisebol com um falo e a cesta de basquete com um vagina. Falam até que a luta livre é uma representação heterossexual do homossexualismo", afirma.
A polêmica de Guttmann com as feministas não é sobre conclusões, mas sobre o ponto de vista.
"A única crítica em relação às feministas radicais é que elas tendem a aceitar o erotismo quando o espectador é feminino, mas, quando o observador é masculino, falam em sexualização", continua.
"Já minha objeção aos neomarxistas é que eles condenam todos os aspectos eróticos como perversões sexuais", conclui Guttmann.
De qualquer forma, ele diz que existe um voyeurismo esportivo, que está muito longe da pornografia. "É mau se o voyeur só está interessado em espiar o elemento erótico. É bom, na minha opinião, se o lado erótico é apreciado junto com os outros aspectos do esporte."
Ele próprio se assume como um voyeur, chamando em seu livro a ginasta russa dos anos 70 Ludmilla Tourischeva de "personificação da união entre Eros e esporte, a última ginasta de um beleza robusta em um esporte que ficaria dominado por garotas anoréxicas".
Guttmann também faz um paralelo entre as damas medievais, que eram ao mesmo tempo público e prêmio dos torneios de cavalaria, com as atuais "baseball Annies" (a versão norte-americana das nossas "marias chuteiras").
"As mulheres ainda são o prêmio no sentido que os atletas famosos estão sempre cercados por mulheres ávidas para dormir com eles. As "cheerleaders' no basquete e as garotas da placa no boxe são também descendentes das donzelas oferecidas nos torneios, aqueles prêmios humanos", afirma.

Filmes e propagandas
No livro "O Erótico nos Esportes", Guttmann analisa filmes (o alemão "Olympia", o norte-americano "Touro Indomável" e o britânico "Carruagens de Fogo"), programas esportivos e propagandas.
"Campanhas de marketing usam imagem sensual de atletas porque tanto publicitários como consumidores entendem a relação."
Apesar da atual popularidade, o assunto Internet não entra em seu estudo. "Não entendo muito sobre isso", afirma Guttmann.
A relação entre esportes e sexo está, por exemplo, no endereço www.erotic-sports.com, página cujo subtítulo é "o lar das mais sensuais atletas do mundo".
As jogadoras de tênis (as "lolitas" Ana Kournikova e Martina Hingis à frente) e de vôlei (principalmente o de praia) são o principal atrativo do site por uniformes diminutos e poses inclinadas.
No caso brasileiro, a ligação entre esporte e erotismo ganhou um outro elemento: a atração de esportistas para as páginas de revistas masculinas, como "Playboy".
Do basquete, posaram nuas, por exemplo, Hortência e Marta. Do vôlei, Ida. Do atletismo, a lançadora de dardo Sueli Pereira dos Santos. Do windsurfe, Dora Bria. Do futebol, a atacante Bel.
Segundo Guttmann, a atual indústria do esporte não coloca a beleza acima da destreza.
"Não é mais importante ser bonito do que ser habilidoso, mas é claro que um bom atleta que é bonito e se move com graça vai atrair mais a atenção da indústria esportiva", afirma Guttmann.



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