São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SONINHA

Quem você pensa que é?


O que a gente pensa que é, o que decide que quer ser, é a escolha mais importante da vida


A PERGUNTA ao lado, às vezes usada em uma briga para desqualificar o oponente, tem outro significado quando é feita para si mesmo. Falando sério: quem você pensa que é?
Na infância, todo mundo responde centenas de vezes "o que quer ser quando crescer". "Ser" corresponde a uma profissão: quero ser médico, professor, advogado, jogador de futebol... Imagine como seria interessante se os pais, a escola, a TV incentivassem a criança a pensar em que tipo de adulto ela pretende ser, independentemente da profissão. "Quero ser paciente, generoso, responsável e atento"; "quero saber trabalhar em grupo"; "quero saber ganhar e saber perder"; "quero ser do tipo que não desiste diante do primeiro contratempo nem coloca nos outros a culpa pelos seus erros"; "quero ter senso de humor e saber rir, especialmente de mim mesmo".
O que resolvemos ser é determinante, mas nem sempre percebemos que há uma escolha; parece que os astros, os genes, a família, a sociedade nos moldaram desse ou daquele jeito e tudo o que nos resta é a rendição ao "destino": "Eu sou assim, o que posso fazer?".
Alguns traços e tendências são descobertos, e não escolhidos, mas nós decidimos, mesmo sem perceber, para quais deles daremos "corda". Isso se reflete em nossos ídolos -pessoas que admiramos e tentamos imitar, do craque do time do coração ao rei da vizinhança. E a imitação, exceto em casos doentios, também envolve escolhas. Você incorpora alguns aspectos da aparência e da personalidade do seu ídolo à sua persona -o corte de cabelo, o jeito irreverente-, mas toca a vida com suas peculiaridades.
O problema é quando o traço mais marcante do ídolo é algo indesejável -por exemplo, a violência como modo de afirmação e obtenção de objetivos. Infelizmente, em muitas vizinhanças o ídolo, o modelo de "sucesso" (mais aspas, por favor), é justamente o mais malvado, o irascível, implacável. O crime.
Quando se fala em esporte como antídoto para a violência, invoca-se, em geral, uma fórmula simplista: "Dá uma bola para os meninos se distraírem. O ócio é o pai dos vícios".
Como se todos, especialmente da periferia, tivessem inclinação para o mal. E como se ter o que fazer no tempo livre bastasse para resolver eventuais pendores para a criminalidade. Quem dera... Tem muito bandido jogando bola nas quadras de escolas no fim de semana, distribuindo tapas e castigos, submetendo o esporte às suas regras cruéis. O esporte é, sim, instrumento importante para construir identidades e cultivar valores. Porque exige aplicação, esforço, colaboração, disciplina, persistência, respeito, discernimento etc. E porque oferece possibilidades de afirmação e prazer diferentes das que são sugeridas por aí -acelerar carro possante, encher a cara, tratar mulher como coisa...
Neste Natal, milhares de meninos pediram (e, queiram os deuses, ganharão) bolas de presente. Alguns adorariam ser profissionais, outros só querem brincar. Que a todos sejam dadas as melhores chances; que talento e esforço sejam premiados.
E que, quer sejam atletas ou profissionais de outras áreas, escolham ser íntegros, respeitosos, decentes.
E sejam os ídolos da vizinhança.

soninha.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Santos: Time tenta fechar com ex-jogadores
Próximo Texto: Por US$ 15, tênis peita gigantes nos EUA
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.