São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2004

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FUTEBOL

Quarenta anos de um gol contra

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Uma crítica recorrente ao formato do próximo Brasileiro condena o exagerado número de participantes: 24. Prolonga a competição em pontos corridos e opõe equipes de níveis por demasiado diferentes. Já foi pior: em 1979, no tempo do regime militar, houve quatro vezes mais times, beirando os cem. A Arena era o partido do governo. O futebol, instrumento de toma-lá-dá-cá. Ironizava-se: onde a Arena vai mal, mais um clube no Nacional.
Quando o golpe que apeou o governo constitucional de João Goulart faz quatro décadas, o inventário da ditadura no futebol não indica o que comemorar. Nem no campo nem fora.
Das cinco Copas disputadas no ciclo militar (1964-85), o Brasil venceu uma. Das outras 12 (a de 38 sob o Estado Novo), papou quatro. Militarizou-se a seleção. A segurança das Forças Armadas afastou jogadores de torcedores e jornalistas. Em 70, o Exército escalou oficiais na comissão técnica. Em 78, o capitão Cláudio Coutinho dirigiu o time na Argentina. Embora talentoso, foi ungido em virtude da origem na caserna.
Nunca um título foi tão faturado por um presidente como o tri de 70 pelo general Médici. Ouvia jogos pelo rádio e ensaiava embaixadinhas para as câmeras. Último dos ditadores militares, João Baptista Figueiredo foi entronado presidente de honra do Flu.
Enquanto o regime desaparecia com corpos e matava um oposicionista que compunha versos para Garrincha, jornais uruguaios estampavam declarações de Pelé a assegurar a inexistência de tortura no Brasil. O mesmo Pelé que, com o Santos, tinha excursões ao exterior espionadas por agentes que deduravam suas saliências.
Futebol e repressão se uniram numa só pessoa quando o antigo perna-de-pau Didi Pedalada, transformado em tira, participou do seqüestro dos militantes uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Diaz em Porto Alegre.
A aliança com as ditaduras do Cone Sul teve outra conseqüência. Em 78, o Brasil não peitou a Fifa contra a armação que rendeu a goleada da Argentina sobre o Peru e o adiamento do tetra. O título, então, valia mais para generais argentinos que brasileiros.
O regime baniu o futebol feminino com resolução do Conselho Nacional dos Desportos. Dono da bola entre os homens, o Brasil amarga o atraso entre as mulheres. O afastamento de João Havelange da CBD pelo general Ernesto Geisel acabou com o que o governo considerava contas marcadas por certa, digamos, liberalidade. Porém sacramentou a ordem fardada, com a nomeação do almirante Heleno Nunes.
A ditadura foi trágica para o futebol ao estender ao esporte a asfixia que impôs ao país. Mas é falso que o general Médici tenha demitido o técnico (comunista) João Saldanha por não chamar Dario.
A frase de Saldanha para Médici -"O senhor escala o seu ministério que eu escalo o meu time"- nunca existiu. Figura fascinante, Saldanha a inventou. Ele caiu por outra invenção: teimou que Pelé, "míope", não poderia jogar no México.

Delírio de araponga
Informe da Agência Rio de Janeiro do Serviço Nacional de Informações em 1975 fincou uma acusação: os comentários de Mário Vianna no rádio sobre arbitragens seriam incitados pelo colega João Saldanha. "Objetivo" de Saldanha: irritar a torcida, "provocando na massa (...) reações descontroladas."

Oscar, Guga e Maluf
Oscar condenou o boicote de Guga à Copa Davis. Ataca a atitude porque seria mais "patriótico" defender o país. Uma curiosidade: o que o ex-cestinha, correligionário de Paulo Maluf em outras jornadas, pensa sobre a anunciada movimentação financeira do padrinho político em paraísos fiscais? O "patriota" Oscar talvez tenha algo a dizer sobre interesses nacionais.

E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br


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