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MOTOR
Filho da mãe
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE
Kerpen é uma cidade pequena, triste, nada tem de especial. São quatro ou cinco ruas principais, uma dezena de outras,
secundárias. O prédio mais imponente da cidade tem dois andares,
abriga o carro dos bombeiros.
De resto, casas típicas da baixa
classe média alemã, de arquitetura segura e monótona, como a vida de seus habitantes, como deve
ter sido a infância dos irmãos
Schumacher. Ruas asfaltadas,
calçamento impecável, jardins
geométricos, cortinas bordadas e
passarinhos de cristal nas janelas.
Kerpen parece uma cidade de
interior, mas na verdade é um subúrbio. É apenas uma entre milhares que, juntas, se transformam em um dos maiores aglomerados urbanos do planeta, ligadas por uma infinidade de linhas de trem e estradas perfeitas.
E que contêm em seus extremos
três autódromos históricos da F-1:
Spa, Hockenheim e Nurburgring.
Michael e Ralf não se tornaram
pilotos por causa disso. É mais fácil acreditar que tiveram uma juventude de limitações e que a única distração em quilômetros era
um pequeno kartódromo, onde o
pai, pedreiro, para engordar o orçamento, instalou um bar e colocou a mãe para vender salsichas e
cerveja -dona Elisabeth gostava
de beber, e isso, dizem os alemães,
explica sua morte prematura.
O destino mais provável de Michael e Ralf, nessas condições, não
seria diferente do da maioria dos
jovens da região: estudar o mínimo, se tornar técnico em um curso profissionalizante qualquer e
gastar o módico salário nos finais
de semana enchendo a cara antes, durante e depois das partidas
do Borussia Dortmund.
Não foi. Um cidadão de posses
um dia se impressionou com uma
prova perfeita de Michael, um
moleque que corria com pneus
usados catados do lixo dos garotos ricos. Com a promessa de bancar sua formação e carreira, tirou
o jovem de casa, afastou-o de seus
pais e do único destino que eles
poderiam lhe dar. Foi verdadeiramente um mecenas. Só mais tarde
seria apresentado a um empresário de verdade, dono de um equipe de F-3, esperto, raposão.
Willi Weber, seu manager até
hoje, logo percebeu o que tinha
em mãos e, em poucos anos,
transformou Michael, o matuto,
em Michael Schumacher, o menino prodígio da Mercedes que um
dia chegaria à F-1 e se tornaria o
melhor piloto alemão da história.
O resto da novela é conhecido, e
ela só voltou a Kerpen nesta semana, quando os dois irmãos foram acusados por parte da mídia
alemã de terem esquecido a mãe.
Provavelmente esqueceram não
só da mãe e de seus graves problemas, mas também da vida idiota
que levavam até o tal cidadão de
posses ter tirado Michael do inferno organizado em forma de casinhas que até hoje é Kerpen.
Schumacher correu em Imola
com a faca nos dentes, do primeiro treino à última volta. Se fez isso
pela memória da mãe ou para se
certificar de que vive hoje na Suíça uma vida completamente diferente, ninguém nunca saberá.
Schumacher correu em Imola
alheio às circunstâncias, como
um verdadeiro campeão. No pódio, quase herói, lembrou que não
é um. Heróis não têm mãe.
De novo?
Dizem que errar é humano. Que errar pela segunda vez é burrice. E
que errar pela terceira vez é sem-vergonhice. A Ferrari já errou feio
duas vezes com Barrichello, a pane seca no Brasil, que custou uma vitória ao piloto, e o pit em Imola, que custou uma dobradinha ao próprio time. Até agora parece apenas burrice. Até agora.
De novo
Max Mosley convocou os times para nova reunião sobre o banimento dos controles de tração e de largada. Argumentou que a FIA recebeu uma chuva de e-mails protestando contra o adiamento da proibição da eletrônica para o próximo ano. Disse com todas as letras:
"Pouco interessa o que eu acho ou o que os times acham. O que interessa é o que público acha." O público, evidente, adora a nova F-1.
E-mail mariante@uol.com.br
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