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São Paulo, sábado, 26 de abril de 2003

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MOTOR

Filho da mãe

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Kerpen é uma cidade pequena, triste, nada tem de especial. São quatro ou cinco ruas principais, uma dezena de outras, secundárias. O prédio mais imponente da cidade tem dois andares, abriga o carro dos bombeiros.
De resto, casas típicas da baixa classe média alemã, de arquitetura segura e monótona, como a vida de seus habitantes, como deve ter sido a infância dos irmãos Schumacher. Ruas asfaltadas, calçamento impecável, jardins geométricos, cortinas bordadas e passarinhos de cristal nas janelas.
Kerpen parece uma cidade de interior, mas na verdade é um subúrbio. É apenas uma entre milhares que, juntas, se transformam em um dos maiores aglomerados urbanos do planeta, ligadas por uma infinidade de linhas de trem e estradas perfeitas. E que contêm em seus extremos três autódromos históricos da F-1: Spa, Hockenheim e Nurburgring.
Michael e Ralf não se tornaram pilotos por causa disso. É mais fácil acreditar que tiveram uma juventude de limitações e que a única distração em quilômetros era um pequeno kartódromo, onde o pai, pedreiro, para engordar o orçamento, instalou um bar e colocou a mãe para vender salsichas e cerveja -dona Elisabeth gostava de beber, e isso, dizem os alemães, explica sua morte prematura.
O destino mais provável de Michael e Ralf, nessas condições, não seria diferente do da maioria dos jovens da região: estudar o mínimo, se tornar técnico em um curso profissionalizante qualquer e gastar o módico salário nos finais de semana enchendo a cara antes, durante e depois das partidas do Borussia Dortmund.
Não foi. Um cidadão de posses um dia se impressionou com uma prova perfeita de Michael, um moleque que corria com pneus usados catados do lixo dos garotos ricos. Com a promessa de bancar sua formação e carreira, tirou o jovem de casa, afastou-o de seus pais e do único destino que eles poderiam lhe dar. Foi verdadeiramente um mecenas. Só mais tarde seria apresentado a um empresário de verdade, dono de um equipe de F-3, esperto, raposão.
Willi Weber, seu manager até hoje, logo percebeu o que tinha em mãos e, em poucos anos, transformou Michael, o matuto, em Michael Schumacher, o menino prodígio da Mercedes que um dia chegaria à F-1 e se tornaria o melhor piloto alemão da história. O resto da novela é conhecido, e ela só voltou a Kerpen nesta semana, quando os dois irmãos foram acusados por parte da mídia alemã de terem esquecido a mãe.
Provavelmente esqueceram não só da mãe e de seus graves problemas, mas também da vida idiota que levavam até o tal cidadão de posses ter tirado Michael do inferno organizado em forma de casinhas que até hoje é Kerpen.
Schumacher correu em Imola com a faca nos dentes, do primeiro treino à última volta. Se fez isso pela memória da mãe ou para se certificar de que vive hoje na Suíça uma vida completamente diferente, ninguém nunca saberá.
Schumacher correu em Imola alheio às circunstâncias, como um verdadeiro campeão. No pódio, quase herói, lembrou que não é um. Heróis não têm mãe.

De novo?
Dizem que errar é humano. Que errar pela segunda vez é burrice. E que errar pela terceira vez é sem-vergonhice. A Ferrari já errou feio duas vezes com Barrichello, a pane seca no Brasil, que custou uma vitória ao piloto, e o pit em Imola, que custou uma dobradinha ao próprio time. Até agora parece apenas burrice. Até agora.

De novo
Max Mosley convocou os times para nova reunião sobre o banimento dos controles de tração e de largada. Argumentou que a FIA recebeu uma chuva de e-mails protestando contra o adiamento da proibição da eletrônica para o próximo ano. Disse com todas as letras: "Pouco interessa o que eu acho ou o que os times acham. O que interessa é o que público acha." O público, evidente, adora a nova F-1.

E-mail mariante@uol.com.br


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