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FUTEBOL
A solidão do goleiro
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Estou me lixando para a
minha imagem." A frase
do goleiro campeão do mundo
Marcos chega a ser desconcertante nesta época em que tudo se baseia na imagem, inclusive o valor
dado a um jogador profissional
de futebol.
Marcos fez esse desabafo pouco
depois de ter tomado sete gols numa partida, dos quais três resultaram de grosseiras falhas suas.
Pelo menos aos meus olhos, a
imagem de Marcos segue intacta,
como atleta e como homem. Seus
erros e seu destempero verbal serviram, a meu ver, para lançar luz
à singular situação do goleiro
-do goleiro em geral, não só de
Marcos- no futebol e na vida.
O goleiro é o ser mais solitário
do mundo. No mais das vezes, entrou no futebol, quando menino,
de modo enviesado. Ou porque
era alto, ou porque não jogava
bem com os pés, ou porque era tímido. Ou, talvez, por uma secreta
vontade de ser diferente.
O goleiro é o número um. Tem a
camisa de outra cor. Assiste ao jogo de um ponto de observação só
seu. É o único em campo que está
preso num curralzinho de quatro
linhas, do qual só sai em ocasiões
especiais, que costumam causar
frisson na platéia.
Está condenado a tentar evitar
o grande momento do jogo, que é
o gol. Se este já foi definido metaforicamente como um orgasmo, o
goleiro é o responsável pela interrupção do coito no seu melhor
momento.
Alguém já disse que o goleiro
tem algo de feminino. Toma conta da casa enquanto os homens
saem para a batalha da vida. A
área é como sua cozinha, ou seu
quintal. Havia um locutor de rádio, cujo nome não lembro, que
tinha um bordão genial para os
momentos em que o gol estava escancarado: "Estava aberta a casa
da viúuuuuva".
O goleiro é também o único que
tem permissão para pôr as mãos
na bola, como as meninas que jogam queimada. Defende a inviolabilidade da meta como a moça
virtuosa defende sua virgindade.
Todas essas associações com o
universo feminino não têm nada
a ver, obviamente, com a sexualidade dos indivíduos que jogam
no gol. Muito pelo contrário: de
Gilmar a Júlio César, passando
por Raul, Leão e Ado, é comum os
goleiros serem galãs cobiçados pelas mulheres.
Contribui para o seu charme a
aura de herói solitário, à la Clint
Eastwood, que o cerca. Mas, a par
desses traços domésticos e heróicos, há algo de trágico no goleiro.
Ele é um ser diferente, e tem
consciência disso. Sentimos isso
quando um jogador da linha é
forçado a substituí-lo, por motivo
de expulsão. Há uma espécie de
impostura carnavalesca nesse
mortal que veste o manto sagrado
do goleiro. É como um sacrilégio.
Nos momentos de crise -e a
crise do Palmeiras parece um poço sem fundo-, o goleiro catalisa
toda a carga dramática, toda a
energia destrutiva ao seu redor.
Barbosa que o diga.
Marcos recebeu como um pára-raios o mau tempo que pesa sobre
o Palmeiras. Não saíram do nada
suas cobras e lagartos. Nem seus
frangos.
A vez dos garotos
Muito justa a convocação de
Diego e Robinho para o amistoso da seleção contra o México.
Diego parece estar mais "pronto" para a tarefa, mas Robinho
só vai amadurecer se tiver desafios pela frente. E é melhor começar a testar esses garotos em
amistosos do que jogá-los direto na fogueira das eliminatórias. Só acho que deveriam ter
chamado também alguém (como Maurinho ou Rogério) para
o lugar de Cafu.
Clássico do povão
Dois jogos se destacam na rodada do Brasileiro. Corinthians
x Flamengo é o clássico das
maiores torcidas, e os dois times tentam embalar no torneio. E, em São Januário, Vasco
e São Caetano reeditam a final
de 2000: um grande desafio para a invencibilidade do Azulão.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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