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São Paulo, sábado, 26 de abril de 2003

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FUTEBOL

A solidão do goleiro

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Estou me lixando para a minha imagem." A frase do goleiro campeão do mundo Marcos chega a ser desconcertante nesta época em que tudo se baseia na imagem, inclusive o valor dado a um jogador profissional de futebol.
Marcos fez esse desabafo pouco depois de ter tomado sete gols numa partida, dos quais três resultaram de grosseiras falhas suas.
Pelo menos aos meus olhos, a imagem de Marcos segue intacta, como atleta e como homem. Seus erros e seu destempero verbal serviram, a meu ver, para lançar luz à singular situação do goleiro -do goleiro em geral, não só de Marcos- no futebol e na vida.
O goleiro é o ser mais solitário do mundo. No mais das vezes, entrou no futebol, quando menino, de modo enviesado. Ou porque era alto, ou porque não jogava bem com os pés, ou porque era tímido. Ou, talvez, por uma secreta vontade de ser diferente.
O goleiro é o número um. Tem a camisa de outra cor. Assiste ao jogo de um ponto de observação só seu. É o único em campo que está preso num curralzinho de quatro linhas, do qual só sai em ocasiões especiais, que costumam causar frisson na platéia.
Está condenado a tentar evitar o grande momento do jogo, que é o gol. Se este já foi definido metaforicamente como um orgasmo, o goleiro é o responsável pela interrupção do coito no seu melhor momento.
Alguém já disse que o goleiro tem algo de feminino. Toma conta da casa enquanto os homens saem para a batalha da vida. A área é como sua cozinha, ou seu quintal. Havia um locutor de rádio, cujo nome não lembro, que tinha um bordão genial para os momentos em que o gol estava escancarado: "Estava aberta a casa da viúuuuuva".
O goleiro é também o único que tem permissão para pôr as mãos na bola, como as meninas que jogam queimada. Defende a inviolabilidade da meta como a moça virtuosa defende sua virgindade.
Todas essas associações com o universo feminino não têm nada a ver, obviamente, com a sexualidade dos indivíduos que jogam no gol. Muito pelo contrário: de Gilmar a Júlio César, passando por Raul, Leão e Ado, é comum os goleiros serem galãs cobiçados pelas mulheres.
Contribui para o seu charme a aura de herói solitário, à la Clint Eastwood, que o cerca. Mas, a par desses traços domésticos e heróicos, há algo de trágico no goleiro.
Ele é um ser diferente, e tem consciência disso. Sentimos isso quando um jogador da linha é forçado a substituí-lo, por motivo de expulsão. Há uma espécie de impostura carnavalesca nesse mortal que veste o manto sagrado do goleiro. É como um sacrilégio.
Nos momentos de crise -e a crise do Palmeiras parece um poço sem fundo-, o goleiro catalisa toda a carga dramática, toda a energia destrutiva ao seu redor. Barbosa que o diga.
Marcos recebeu como um pára-raios o mau tempo que pesa sobre o Palmeiras. Não saíram do nada suas cobras e lagartos. Nem seus frangos.

A vez dos garotos
Muito justa a convocação de Diego e Robinho para o amistoso da seleção contra o México. Diego parece estar mais "pronto" para a tarefa, mas Robinho só vai amadurecer se tiver desafios pela frente. E é melhor começar a testar esses garotos em amistosos do que jogá-los direto na fogueira das eliminatórias. Só acho que deveriam ter chamado também alguém (como Maurinho ou Rogério) para o lugar de Cafu.

Clássico do povão
Dois jogos se destacam na rodada do Brasileiro. Corinthians x Flamengo é o clássico das maiores torcidas, e os dois times tentam embalar no torneio. E, em São Januário, Vasco e São Caetano reeditam a final de 2000: um grande desafio para a invencibilidade do Azulão.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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