São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 2006

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A arte da guerra

GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A NUREMBERG

Parecia uma discussão banal, dessas comuns em jogos de futebol, até o português Luis Figo acertar uma cabeçada no atacante holandês Van Bommel.
Era a centelha que faltava para transformar um jogo tenso numa batalha campal que conquistou seu lugar na história.
Porque foi a partida de Copa com mais jogadores advertidos e expulsos. Porque Portugal, dirigida por Luiz Felipe Scolari, venceu por 1 a 0 e classificou-se para as quartas-de-final, o que não acontecia há 40 anos -quando era comandada pelo também gaúcho Oto Glória.
Ao todo, o juiz russo Valentin Ivanov mostrou 16 amarelos e quatro vermelhos em Nuremberg. A marca impulsionou outro recorde: mesmo restando 12 jogos para o fim, a edição de 2006 já registra 23 expulsões em 52 duelos, uma a mais do que nas 64 partidas da França-98.
Os números são impactantes, mas não traduzem o nervosismo do jogo. Também não revelam a emoção dos portugueses com o suado placar, construído no primeiro tempo e defendido por nove atletas durante parte da etapa derradeira.
"Foi uma vitória de heróis, que merecem ser lembrados para sempre", disse Scolari.
O treinador até tentou empurrar todos os méritos a seus comandados. Depois, contudo, reconheceu que a vitória tinha todas as marcas do seu sucesso.
"O jogo teve a minha cara, a cara da superação. Foi um jogo de Libertadores. É meu papel fazer os jogadores correrem um pouco mais, lutarem um pouco mais. É assim que se vence."
A luta foi literal ontem. Daquela desavença entre Figo e Van Bommel, no início do segundo tempo, pontapés, empurrões, cotoveladas e entradas fortes se tornaram comuns.
O momento de maior eletricidade ocorreu aos 26min, quando a Holanda deixou de devolver uma bola mandada para fora para o atendimento ao goleiro Ricardo. O zagueiro holandês Heitinga, que acabara de entrar, aproveitou o descuido dos portugueses, que esperavam o "fair play", e partiu em disparada ao ataque.
Irritado, Deco acertou as pernas do rival com um carrinho de artes marciais. Uma troca generalizada de agressões se seguiu, interrompida depois com três cartões amarelos.
Um deles, claro, para Deco, depois expulso. Era o segundo luso a deixar o campo -Costinha já havia levado vermelho.
"Naquela altura, eu não acreditava que agüentaríamos a pressão. Mas nunca vi um grupo tão unido, com tanta vontade de ganhar", diz Scolari.
Não parecia que seria tão difícil. Mais organizado que o rival, seu time fez o gol aos 23min do primeiro tempo. Deco cruzou da esquerda, e Pauleta ajeitou para Maniche, que se livrou de um zagueiro e chutou.
O tempo começou a mudar quando Scolari perdeu Cristiano Ronaldo, que deixou o campo chorando. Fora atingido no início da partida e não suportava a dor na coxas provocada pelas travas de Boulahrouz.
Após o apito final, voltou a chorar, agora pela emoção de estar entre os oito melhores.
Fã de "A Arte da Guerra", livro do chinês Sun Tzu, o treinador, que usou a obra para conquistar o penta com o Brasil, se poupou de comentar o próximo rival, a Inglaterra. "Agora não dá. Esse jogo foi demais."

Em tempo real, a definição de mais um confronto das quartas www.folha.com.br/copa2006


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