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São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2003

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FUTEBOL

Ilustres personagens

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Botafogo e Palmeiras estão de parabéns pelo retorno à primeira divisão. Conquistaram as vagas nos gramados. Não será mais vergonha um clube de tradição disputar a segunda divisão. Vergonha é subir por meio do tapetão. Ninguém aceita mais as viradas de mesa.
Nessas conquistas, há ilustres personagens. Os torcedores de Botafogo e Palmeiras tiveram ótimas atuações, dentro e fora dos estádios. Compareceram, vibraram e incentivaram os jogadores. As outras torcidas deveriam fazer o mesmo. A relação dos torcedores com o time, o técnico e os jogadores tem de ser carinhosa e crítica, não agressiva e violenta. As ofensas não estimulam os atletas, como pensam muitos torcedores. Os jogadores ficam tensos e atuam pior.
Bebeto de Freitas recuperou a credibilidade e a competência do Botafogo. Deu uma nova cara ao clube, a da dignidade. Espero que outros Bebetos apareçam nos clubes brasileiros, nas federações e na CBF. Bebeto simboliza um novo tipo de dirigente.
Bebeto escolheu o treinador certo. A equipe não precisava de um técnico (no sentido abrangente da palavra) nem de um dos principais treinadores do Brasil (Levir Culpi já foi um deles), mas de um técnico de confiança, esclarecido, sério, organizado e que se envolvesse emocionalmente com o clube. Bebeto já conhecia o Levir no Atlético-MG, e o treinador necessitava recuperar o prestígio, perdido na queda do Palmeiras para a segunda divisão.
O abraço caloroso entre o presidente e o técnico após o jogo foi muito mais do que um gesto de alegria, de amizade e de dever cumprido. Representou a afinidade de duas pessoas que sonharam o mesmo sonho.
Nos últimos anos, Magrão foi um dos jogadores que mais evoluíram. Ele só marcava e fazia faltas, muitas violentas. Magrão não é um excepcional volante, porém um bom jogador, em condições de ser titular de qualquer equipe da primeira divisão.
Mas não foi a qualidade técnica a sua principal contribuição ao time. Foram a dedicação e a humildade. Após a vitória sobre o Sport, Magrão disse que tinha vergonha de ser, sem ter ganhado um título, idolatrado pela torcida. Retribuiu com garra, técnica e uma grande conquista.
Valdo sempre foi um excelente atleta. Ele não teve mais prestígio porque possuía estilo diferente dos grandes craques da posição, especialistas no passe longo. Gerson se tornou referência, o ideal inatingível de todo armador.
Valdo é um armador habilidoso, de dribles e passes curtos e que raramente perde a bola. Atua bem de uma intermediária à outra. Com 39 anos, não tem a mesma mobilidade e eficiência, porém mantém o estilo. Não jogou no Botafogo somente com o nome e a experiência. Atuou com inspiração e transpiração.
Contudo não foi também a qualidade técnica a principal contribuição do Valdo à equipe. Foram a liderança e o envolvimento emocional com o clube. Em qualquer atividade, para dar certo, não basta haver uma boa relação profissional de direitos e deveres. É preciso criar laços afetivos, de cumplicidade. Para brilhar, um profissional tem de trabalhar com prazer.
A maioria dos jogadores e dos clubes do país vive em confronto, muitas vezes na Justiça. Alguns atletas só pensam em faturar rápido. Não confiam nos dirigentes. Esses, com frequência, tratam os jogadores como se fossem apenas mercadorias. Esporte não é só negócio.
Marcos deu o maior exemplo de solidariedade e humildade. Imagine a admiração de um jovem do Palmeiras ao ver um recente pentacampeão, um dos melhores goleiros do mundo, jogando ao seu lado, na segunda divisão.
Qualquer grande atleta do mundo, em todos os esportes, que estivesse no lugar do Marcos forçaria a saída para outro grande clube. Seria compreensível, racional e humano. Marcos preferiu o Palmeiras ao Arsenal, um dos grandes times do mundo.
O grande profissional não é o que faz somente o que se espera dele. É o que surpreende, vai além, como fez Marcos.
Marcos, Bebeto de Freitas, Valdo, Magrão, torcedores do Botafogo e do Palmeiras e outros dignificaram, deram prestígio à segunda divisão e trouxeram paixão e esperança ao futebol.
Neste sábado, queria assistir às duas torcidas misturadas, abraçadas, torcendo juntas para os dois times. Seria a festa da delicadeza.

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